Cada poeta é um universo, um mundo, um país, uma aldeia, uma voz. Nunca havia ouvido falar de Sophia de Mello Breyner Andresen. Noutro dia, vagabundo por uma livraria, encontrei esse volume. A organização, seleção e apresentação desta antologia é assinada pelo também poeta Eucanaã Ferraz, que conheço pouco, mas que é sempre citado em cadernos culturais como uma das boas referências de sua geração. Pois em sua apresentação, Eucanaã nos ensina sobre uma poeta forte, que viveu muito, viajou muito e publicou muito, sendo ainda seminal e respeitada em seu Portugal fundamental. Os poemas foram retirados de quatorze livros que ela publicou, desde o de estreia, em 1944, até o ultimo, de 1997 (ela morreu em 2004). Segundo Eucanaã ela adestrou seus versos em vagas, em fases, desde os três primeiros volumes ("Poesia", de 1944; "Dia e mar", de 1947; "Coral", de 1950), com os quais ganhou consagração; passando por "No tempo dividido", de 1954, e "Mar novo", de 1958 (livros de continuidade nos temas, mas com mudanças estilísticas); "O Cristo cigano", de 1961, que ela um dia renegou, mas fez ainda em vida voltar às edições de sua obra completa; "Livro sexto", de 1962, e "Geografia", de 1967 (livros que brotaram de uma espécie de angústia da influência de nosso João Cabral de Melo Neto, de uma fase sua onde a arte parecia negar a vida, da descoberta do Brasil); "Dual", de 1972, e "O nome das coisas", de 1977 (volumes que tratam de sua redescoberta de Portugal, de Fernando pessoa, do impacto da esperada Revolução dos Cravos, quando Portugal tardiamente livrou-se da ditadura de António de Oliveira Salazar); "Navegações", de 1983, e "Ilhas", de 1989 (volumes onde são as viagens e o mar que povoam a experiência da poeta); e os dois últimos, "Musa", de 1994, e "O búzio de cós e outros poemas", de 1997, com os quais Sophia faz-se uma Janus, olha para trás, avalia sua trajetória artística, porém, bifronte, encara o futuro e unifica sua obra, numa coda calma e feliz. Seus temas são aqueles sempre caros aos poeta fortes: o mar, a presença grega, uma deidade ou religião, as viagens, a consciência da linguagem, o fluir do tempo. Se aprende um bocado lendo alguém assim. Várias vezes, dentre os poemas recolhidos por Eucanaã, descobrimos uma ânfora. Curioso, fiquei a imaginar se essa imagem é mesma algo perene em sua obra (esta antologia só nos ensina uma fração dela, só nos dá um vislumbre de uma vastidão de palavras). Imaginei-a como um navio repleto de ânforas poéticas, que repentinamente foi resgatado do mar. Eucanaã fez essa antalogia, mas nos convida em sua apresentação a
elegermos a nossa, navegarmos no mar de poemas de Sophia Andresen,
descobrirmos nós mesmos seus versos, suas imagens, seu mundo. Vale!
Registro #1333 (poesia #100) [início 15/08/2018 - fim: 08/10/2018]
"Coral e outros poemas", Sophia de Mello Breyner Andresen, São Paulo: Editora Schwarcz (Grupo Companhia das Letras), 1a.
edição (2018), brochura 14x21 cm., 390 págs., ISBN: 978-85-359-3079-5
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