sábado, 13 de outubro de 2018

querida kombini

Na semana passada, próximo ao dia destas bizarras, ridículas eleições, quase todos os cadernos culturais dos jornais que li davam conta da edição desse "Querida Kombini", de Sayaka Murata. Todos falavam do sucesso de vendas (mais de 700 mil exemplares vendidos no Japão) e das boas críticas (o livro ganhou o respeitável prêmio Akutagawa do ano passado). De fato o livro é bem escrito, registra literariamente uma experiência limite, descreve um comportamento social contemporâneo, alcança fazer algo que um trabalho sociológico acadêmico não alcançaria, além de provocar uma reação empática no leitor. A história é simples. Uma mulher ainda jovem, menos de quarenta anos, com estudos universitários completos, Keiko, é funcionária em uma loja de conveniência de Tóquio ("Kombini" é o nome destes lugares no Japão). Esse tipo de trabalho é em geral ocupação de estudantes, mulheres bem mais velhas que precisem ajudar no orçamento familiar, imigrantes com pouca qualificação. Todavia Keiko parece adaptar-se perfeitamente àquela função, onde antes habilidades mecânicas, rapidez e diligência são mais importantes que capacidade de abstração, raciocínio complexo ou iniciativa. O leitor acompanha os dias de Keiko, a monótona rotina de seu trabalho, algo de sua biografia, do estranhamento que provoca em familiares e amigos (se é o que ela vivencia são mesmo relações familiares ou de amizade, pois trata-se de uma pessoa socialmente deslocada em todos os aspectos). Gostei de ler o livro, mas não achei particularmente marcante, já conhecemos todos algo deste tipo de história. Para um leitor estrangeiro o exotismo da cousa, o bizarro da situação, explica algo do interesse que a história provoca, mas como explicar o sucesso de público e crítica no Japão? Talvez a história desnude aquilo que não seja fácil para eles mesmos verbalizar: a intrínseca melancolia e solidão daquela sociedade; o contraste entre o conforto material e as tensões psicológicas experimentadas pela população; a quase impossível mobilidade social; a rigidez que condena todos ou a mais completa submissão às tradições ou ao escracho total, a negação completa das convenções sociais. Esse livro lembra muito um dos primeiros livros da belga Amélie Nothomb, "Medo e Submissão", no qual ela descreve ficcionalmente sua experiência de quase servidão humana, de anulação de personalidade, vivenciada quando trabalhava como tradutora em uma grande empresa japonesa no início dos anos 1990. Lembra muito também aquele poderoso conceito de Elias Canetti: "A inversão do temor de ser tocado", mas esta é outra história e eu já especulei um bocado neste registro de leitura. Vamos em frente. Vale! 
Registro #1336 (romance #351) 
[início 06/10/2018 - fim: 08/10/2018] 
"Querida kombini", Sayaka Murata, tradução de Rita Khol, São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1a. edição (2018), brochura 14x21 cm., 152 págs., ISBN: 978-85-7448-295-8 [edição original: Kombini Ningen コンビニ人間  (Tokyo: Bungeishunju) 2016]

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