Acho que já li tudo o que Luís Henrique Pellanda publicou em livro. As crônicas curitibanas dele são imbatíveis, difícil dizer qual de seus livros ("Asa de sereia", "Nós passaremos em branco" e "Detetive à deriva") é melhor. Já registrei aqui a sorte que uma cidade tem quando um bom cronista navega por ela, recolhendo histórias e produzindo pequenos milagres literários, que a eternizarão. Pellanda também já havia publicado alguns contos seus em "O macaco ornamental", seu livro de estreia, de 2009. Nesse "A fada sem cabeça", seu mais recente lançamento, estão reunidos 28 contos, produzidos entre 2010 e 2017, sendo 14 anteriormente publicados em cadernos culturais, jornais ou revistas, 5 publicados em um blog (Asa de sereia) e 9 inéditos. As narrativas quase sempre brotam da memória de um sujeito sobre seus dias de juventude, não exatamente da infância, mas de uma época em que ele era jovem o suficiente para experimentar assombros, vivenciar descobertas marcantes, encantar-se sem medo de ser piegas. Há um clima de contos de fada ou de sonho em todos eles, como se o passado precisasse de uma pátina de fantasia ou ilusão para ser devidamente aceito, entranhado, absorvido pelo sujeito que rememora. Onze dos vinte e quatro contos, um tanto mais curtos, são enfeixados em um sessão dita "Pesadelos possíveis", impressos em folhas azuis, que contrastam com o branco convencional dos demais. Nestes onze a ambientação mágica, de fábula, de faz-de-conta é ainda mais marcante, o leitor viaja para longe, para seu passado de criança, quando ainda ouvia e lia contos de fada e se encantava com as invenções. Nunca é tarde para voltar a ser criança e entender das coisas metaforicamente, sem barreiras intelectuais. Claro, há um travo amargo em todas as histórias, que carregam um fracasso, uma derrota, um pequeno horror, talvez uma negação. Nada finalizador, incontornável, definitivo, mas que nos faz lembrar do poder do acaso na vida, de uma eventual estagnação de nossas vontades, dos caminhos de infinitas bifurcações que trilhamos todos nós, cegos sendo guiados por cegos. Ojo. Grande escritor esse Pellanda. Vamos a ver o que ele inventará a seguir. Vale!
Registro #1332 (contos #155) [início 11/09/2018 - fim: 15/09/2018]
"A fada sem cabeça, Luís Henrique Pellanda, Porto Alegre: Arquipélago Editorial, (1a. edição) 2018, brochura 14x21 cm., 176 págs.,
ISBN: 978-85-5450-014-6
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