quarta-feira, 12 de setembro de 2018

recuerdos durmientes

Fazia tempo que não lia algo de Patrick Modiano. Entre 2014 e 2015 li pelo menos uns quinze romances dele. Encontrei esse volume junto com um ótimo livro do Vargas Llosa, lá em Buenos Aires, como já registrei aqui. "Recuerdos durmientes" é um pequeno romance, que gravita um mundo de mulheres, da lembrança de mulheres que vagamente foram importantes para um sujeito. O narrador, Jean D., que pode ou não ser um alter ego de Modiano, pois tem a mesma idade, ofício, hábitos e preocupações estéticas, recolhe fragmentos de seu passado. Os acontecimentos que o narrador resgata são sobretudo da primeira metade dos anos 1960. O jovem Jean, solitário e tímido, caminha pela cidade, como sempre deve ser, sem rumo, perdendo-se, para logo encontrar algo interessante e vívido, surpreendendo-se.  As mulheres que Jean quer retrospectivamente decifrar são "a filha de Stioppa", um amigo de seu pai, provavelmente um contrabandista de origem russa; Mireille Ourousov, que o havia ajudado quando ele teve uma enfermidade durante uma viagem de seus pais; Geneviéve Dallame, leitora solitária que ele conhece num café e com quem se envolve afetivamente; Madeleine Péraud, uma velha amiga de Geneviéve, dona de uma livraria especializada em ciências ocultas; Madame Hubersen, uma colecionadora de máscaras e esculturas africanas; Martine Hayward, que organizava festas para dançarinos e artistas; um garota inominada, que com ele partilha atração e curiosidade sobre os mistérios de Paris, e que ele ajudou a esconder-se de um crime. O livro oscila, como num sonho, entre o período em que está sendo escrito, 2017, os anos 1990 e 2000, em que o narrador reencontra por acaso aquelas mulheres, já metamorfoseadas, e os anos 1960, vividos por ele, mas suficientemente soterrados por camadas de esquecimento, de forma que ele nunca fica seguro se realmente experimentou aquilo tudo ou apenas o inventou. O passado que se evoca é de fábula, mítico. O narrador, como sempre nos livros de Modiano, tem a especial capacidade de saber ouvir confidências de seus interlocutores, sem nunca devolver seus segredos, revelar-se. As velhas agendas, recortes de jornais e revistas, dossiês, fotografias, papéis com anotações indecifráveis, parecem brincar com o velho senhor que narra, inebriado consigo, com seu duplo do passado, curioso daqueles sucessos quase sem sentido, irrelevantes. Assim, enigmática e bela, é a vida que todos experimentamos, e continuamos a experimentar. Vale! 
Registro #1327 (romance #349) 
[início 06/09/2018 - fim: 08/09/2018] 
"Recuerdos durmientes", Patrick Modiano, tradução de María Teresa Gallego Urrutia, Barcelona: editorial Anagrama (Panorama de Narrativas #982), 1a. edição (2018), brochura 14x22 cm., 104 págs., ISBN: 978-84-339-8012-0 [edição original: Souvenirs dormants (Paris: éditions Gallimard) 2017]

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