Pouco conheço de Curitiba, cidade onde tenho poucos mas bons amigos (que raramente visito, ai de mim). De uns tempos para cá Curitiba parece ter se impregnado um tanto em minha memória afetiva. Não por conta de minhas lembranças dos passeios que lá fiz com estes amigos, ou mesmo de quando fui lá a trabalho ou para algum evento acadêmico, mas sim por coisas que li de Luís Henrique Pellanda. Ele narra tão vividamente sua Curitiba nas 45 crônicas reunidas em "Asa de sereia" que nos familiarizamos com ela. Incrível. Dois terços das histórias haviam sido produzidas para um site que foi desativado (o Vida Breve), um terço em jornais e revistas. São coisas recentes, quase tudo foi publicado em 2012 e 2013. Pellanda domina tão completamente a arte da crônica que já nas primeiras linhas de cada história começamos a pensar sobre o que virá a seguir, com um sorriso ansioso nos lábios. O narrador das histórias é um flâneur antes que um voyeur, um flâneur que vagabundeia pela cidade, quase sempre sem pressa para compromissos ou responsabilidades e que se deixa arrebatar pela vida. Em geral seu olhar foca nos habitantes que parecem ter sido deserdados pela cidade (e por isso mesmo são aqueles que mais zelam dela, de suas tradições, de seus ritos e costumes, como se fossem os fiéis camareiros de uma senhora antiga, aqueles que congelam o tempo, por hábito). Pellanda é um bom frasista, um bom aforista. Em uma ou outra história há uns surrealismos (árvores, aranhas e outros bichos que falam e que sentem), mas nada que esconda o entendimento do mundo contemporâneo que ele descreve. Há vezes em que do nada brota algo que associamos ao Shakespeare, ao Sterne, ao Pamuk, ao Drummond, (uns mimos eruditos que alegram o bom leitor). Há vezes em que todo o sarcasmo que já encontramos em seu "Nós passaremos em branco", naquela sua antologia dos demônios curitibanos, parece dominar as histórias. É certo. Sorte da cidade que conta com um cronista assim.
[início: 30/12/2013 - fim: 06/01/2014]
"Asa de sereia", Luís Henrique Pellanda, Porto Alegre: Arquipélago editorial, 1a. edição (2013), brochura 14x21 cm., 208 págs., ISBN: 978-85-69171-53-8
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