Esse pequeno livro de Robert Walser atormentou-me por meses. Não que sua leitura seja maçante ou exatamente impenetrável, mas sim por conta dos desvios que fiz, dos outros volumes que comecei a ler nesse período, quase sempre por absoluto impulso (isso sempre prejudica os livros que cobram mais zêlo e atenção do leitor, como é o caso de "Jokob von Gunten"). Pelo que descobri lendo alguns textos sobre ele, Walser nunca pertenceu a
um grupo ou corrente literária em sua Suiça natal, mas foi,
no início de sua carreira como escritor um sujeito bastante
respeitado, tanto pela poderosa imaginação literária encontrada em suas
histórias quanto pelo virtuosismo com que escrevia em alemão. Ele tinha quase trinta anos, em 1909, quando "Jakob von Gunten" foi publicado. Uns quinze anos depos ele sofreu uma espécie de colpaso e passou seus últimos vinte e cinco anos internado em uma clínica psiquiátrica. Os romances e contos de Walser ficaram praticamente esquecidos, sem grande circulação, até muitos anos depois do período em que esteve internado, mas desde o início dos anos 1970 sua obra tem sido reeditada com invulgar sucesso. Muitos escritores e críticos contemporâneos louvam a importância de sua obra. "Jakob von Gunten" é um livro curioso. Narrado em primeira pessoa, dividido em capítulos curtos e diretos, de pouco mais de duas ou três páginas cada um, encontramos nele as reflexões de um sujeito que se matricula em uma escola especializada em formar criados. É um projeto curioso, principalmente pelas ilações de que ele é membro de uma família de posses. Jakob quer ser educado não para se libertar, não para ter os instrumentos para desafiar a vida, trabalhar e crescer intelectualmente, mas justamente o oposto, ele quer anular-se em tarefas mecânicas e repetitivas, que não exijam dele nada além de subserviência, obediência cega e disciplina. Na escola, administrada por um casal de irmãos, Jakob conhece os poucos colegas estudantes que ainda estão matriculados: Kraus, Schacht, Schilinski, Fuchs, Peter, Heinrich, Tremala e Hans. O livro descreve quase sempre com sarcasmo o que se discute nas aulas. A ironia de Jakob o aproxima do diretor do instituto. Ambos desenvolvem uma relação tensa e ambivalente, um misto de agressividade e admiração mútua. Com o colega Kraus as conversas são mais técnicas, objetivando entender o futuro profissional que os aguarda. Mas é com a irmã do diretor do instituto que Jakob mantém a relação mais estranha. Ele se apaixona por ela e aparentemente é correspondido, mas essa aproximação funciona mais como uma libertação para Lisa, sempre eclipsada por seu tirânico irmão. Após a morte da irmã do diretor ele providencia bons empregos para todos os estudantes, mas não para Jakob. Os dois saem do instituto juntos, como se fossem explorar o mundo a partir dali. Minha primeira impressão é associar "Jakob von Gunten" a "O Ateneu", livro de Raul Pompéia que li há uns quarenta anos, mas nesse último as descrições dos relacionamentos entre os alunos e o final dramático são detalhados demais, explicitados demais. O livro de Walser é mais seco, deixa ao leitor a incumbência de penetrar a mente racional de Jakob, força o leitor a interpretar o bizarro desejo de Jakob de alcançar a insignificância. Livro muito apropriado para entender algo desses dias de imbecilidade reinante. [início 01/08/2011 - fim 15/11/2011]
"Jakob von Gunten: um diário", Robert Walser, tradução de Sergio Tellaroli, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2011), brochura 14x21 cm, 148 págs. ISBN978-85-359-1820-5 [edição original: Jakob von Gunten (Berlin, Bruno Cassirer Verlag) 1909]
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