Experimentei um assombro quando foi publicado o último número da excelente revista eletrônica Scientia Traductiones, editada na UFSC pelos industriosos Gustavo Althoff e Mauri Furlan. Pois nela li um artigo, assinado por Afonso Teixeira Filho, que dava conta de uma tradução de trechos do Ulysses de James Joyce para o galego em 1926, apenas quatro anos após a publicação original do livro. Claro que tornou-se imperioso para mim conseguir um exemplar desta tradução. O texto de Teixeira Filho explicava que os trechos haviam sido republicados em uma edição de 2003, que fiz a Abebooks alcançar. Essa edição inclui os trechos originais traduzidos por Ramón Otero Pedrayo em 1926 (e publicados originalmente em uma revista chamada Nós, que existiu entre 1920 e 1936) e uma introdução assinada por Kerry Ann McKevitt (uma especialista inglesa em literatura galega). A introdução é parte de um trabalho acadêmico, produzido na Universidade de Birminghan, e discute a gênese da tradução de Otero Pedrayo. Segundo a autora há duas correntes: em uma delas Otero Pedrayo utilizou para sua tradução apenas a edição original do livro, publicado em 1922; enquanto em uma outra ele teria utilizado também os primeiros trechos já traduzidos para o francês (por Valéry Larbaud, publicados em 1922). A primeira tradução integral do Ulysses foi para o alemão, assinada por Georg Goyert e publicada em 1927; já a primeira tradução integral para o francês (assinada por Auguste Morel) só seria publicada em 1929. A conclusão de McKevitt é salomônica, ou seja, a de que Otero Pedrayo deve ter utilizado basicamente o original inglês, eventualmente recorreu à tradução francesa, mas que esta não teve papel decisivo em seu trabalho. Os trechos traduzidos são dos episódios Ithaca e Cyclops. Não é muita coisa a bem da verdade. Do Cyclops são apenas dois trechos curtos (dentre os 33 do original) e do Ithaca - meu capítulo favorito - uns 50 fragmentos dentre os 309 originais. Claro, os bons jogos verbais e sugestões infinitas que Joyce sempre provoca estão ali. O fato de leitores galegos terem acesso ao Ulysses já em 1926 deve ser mesmo algo a se comemorar. Mesmo agora, quando temos acesso a quatro traduções diferentes para o português, três outras para o espanhol, uma em catalão - e dezenas de outras em línguas que não me atrevo a dizer que conheço, ler Joyce em galego (na verdade ler todo ele em galego) é uma diversão. De fato trata-se de algo que não é português nem tampouco espanhol. Ver os sons que costumamos associar ao "J" e ao "G" (em nosso português) grafados com "X" provoca um explosão de associações curiosas e tudo só ganha sentido completo quando começamos a ler em voz alta. Desta vez o texto do pobre Joyce ficou em segundo plano. Vamos em frente.
[início: 16/06/2013 - fim: 20/07/2013]
"Fragmentos de Ulises, 1926", James Joyce, tradução de Ramón Otero Pedrayo (texto de James Joyce), tradução de Carlos Acevedo (introdução de Kerry Ann McKevitt), Vigo: editorial Galaxia (colección Illa Nova), 1a. edição (2003), brochura 12,5x22 cm., 89 págs., ISBN: 84-8288-646-0
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