Há mais de vinte anos, quando sai de São Paulo e passei a morar no Rio Grande do Sul, fiquei surpreso em descobrir como aqui há mais afinidades que distanciamentos entre os gáuchos (gaúchos do Rio Grande do Sul, do Uruguai e da Argentina). Lembro-me bem do quão rapidamente fui repreendido ao contar uma piada xenófoba e boba: "Se você tirar o 'argentino' desta sua piada e substituir por um 'paulista' sou capaz de rir dela", disse um - hoje - amigo, o Antônio Vicente Porto. Hoje eu acho que entendo melhor os porquês desta afinidade (mas continuo paulista). Resolvi comprar "Os argentinos" logo após terminar de ler "O tango da velha guarda", de Arturo Pérez-Reverte, cuja ação tem um bom trecho ambientada em Buenos Aires. Esse é o terceiro livro que leio de uma curiosa coleção da editora Contexto (os demais são "Os espanhóis" e "Os japoneses" - eles já editaram também volumes dedicados a italianos, alemães, chineses, franceses, russos, indianos e portugueses, além de um último, dedicado ao mundo muçulmano em geral). São textos bens escritos, quase didáticos, mas ligeiros, pois não se preocupam exatamente com a vastidão inerente do tema (apesar deles certamente saberem que o diabo está sempre nos detalhes). Há partes que funcionam como guia de viagem, outras, num viés sociológico, antropológico e histórico são mais próprias daquilo que deve fazer parte do estofo cultural de qualquer sujeito educado (cousa que as escolas brasileiras jamais farão). Equilibrando-se entre ao quê dar ênfase e ao que resta omitir (sempre a maior parte de qualquer assunto) o formato funciona, pois qualquer neófito pode se ilustrar sem dificuldades (numa viagem espiritual e curta para estes lugares, talvez?). Acredito que o que garante a boa qualidade dos texto é a escolha dos autores, sempre pessoas experimentadas nas culturas sobre as quais escolheram escrever. Ariel Palacios é argentino de nascimento, mas viveu no Brasil muitos anos, formou-se jornalista aqui e está radicado de volta em sua Buenos Aires natal há quase vinte anos. Assim seu recorrido pela história, economia, política, cultura, futebol e gastronomia é fruto de experiências pessoais, de conhecimento prévio e acesso a fontes que um turista eventual jamais alcançaria. Como o tom do livro é jornalístico, um número grande de assuntos e temas ganham espaço (alguns complexos, como as relações da Argentina com os nazistas; ou aquele dedicado ao Tango; outros quase folclóricos, como uma seção sobre os apelidos dos políticos, um capítulo sobre psicanálise e religiosidade e um outro biográfico, sobre os argentinos que alcançaram fama quase mítica: Gardel, Evita, Perón, Maradona, Che, Borges). Um leitor curioso necessariamente precisa se disciplinar e buscar os detalhes disto tudo numa bibliografia (que o livro oferece, afinal de contas). Palacios opta por fazer quase sempre algum contraponto com a história e cultura brasileiras, coisa que ajuda o leitor brasileiro a acompanhar o raciocínio do autor e as ideias que apresenta, mas que talvez seja um erro (pois se fosse mais neutro claramente não inviabilizaria uma eventual edição para o público europeu ou americano). O livro inclui dezenas de ilustrações e algumas caixas de textos que exploram com mais detalhes certos temas, como o vocabulário econômico, sexual e político. O que mais gostei no livro foram as seções de dedicadas a aspectos da língua (não apenas sobre o espanhol falado por lá, mas também nas explanações sobre o sotaque e o lunfardo, a gíria local). Bom livro. Por fim, registro aqui a definição mais divertida do livro (que não é de Palacios, mas sim de Paola Kullock): "Os argentinos possuem uma moral tripla, pois pensam uma coisa, dizem outra e fazem outra totalmente diferentes".
[início: 14/07/2013 - fim: 24/07/2013]
Os argentinos, Ariel Palacios, editora Contexto (editora Pinsky), 1a. edição (2013) brochura 17x22,5cm, 368 pág., ISBN: 978-85-7244-787-4
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