Tudo sobre meu assombro com a poesia poderosa de Wislawa Szymborska já falei quando li coisas dela primeira vez, na edição assinada pela tradutora Regina Przybycien e que resenhei aqui. Mas em outubro passado, flanando pelo Rio de Janeiro, entre um trabalho feliz na UERJ e encontros doces com Gabriella, Guto e Maria Luíza, eis que descobri uma edição portuguesa de seus poemas, editada em 1998 pela Relógio D'Água (que está a nos dever uma nova tradução do Ulysses, mas essa é outra história). Que beleza! Assim como na seleção de Regina Przybycien essa edição é bilíngue, mas essa informação só serve para dizer que os olhos teimam em espiar os originais buscando pistas, mas o polonês é um completo hieróglifo para este pequeno anão de província, que mal e porcamente lê seu português (mas aprendi que ryba é peixe e isso basta para alegrar um sujeito). Livros assim lê-se aos poucos, principalmente pelo fato do português de Portugal oferecer ritmos e sons algo diferentes, que o leitor tem de respeitar (e o tolo acordo ortográfico não será capaz de fazê-los desaparecer). São exatos cem poemas, cada um deles com uma proposta mágica para o leitor. Cabe dizer que a edição original, de 1996, ano em que Szymborska recebeu o prêmio Nobel, eram 102 os poemas, selecionados dentre aqueles publicados a partir de 1957. Os temas são vastos, mas se repetem o infinito, o cosmos, os planetas, as estrelas e a tecnologia, em contraste com os homens, os animais, os sonhos, a ironia e o tempo. Ela fala das guerras e da morte (como se fosse fácil falar destas cousas) e também do enigma que é a poesia e seu ofício. Há um poema que parece explicar "A educação pela pedra" (de nosso João Cabral de Melo Neto), noutro Szymborska explica a grande sorte que é não se saber exatamente em que mundo se vive. São tantas as maravilhas, que poeta especial foi esta senhora. Lendo é tão óbvio, mas somente os poetas fortes sabem tornar claras certas cousas, como a distinção terrível entre realidade e sonho em que ela grafa: "A fugacidade dos sonhos leva a que a memória os sacuda facilmente de si. / A realidade não tem que recear o esquecimento. / Pesada é a sua arte. / Senta-nos no pescoço, pesa-nos no coração, enreda-se nos pés. / Dela não há fuga possível porque em cada fuga nossa a temos por companhia. / E não há estação no decurso da viagem em que não esteja à nossa espera."
[início: 29/10/2012 - fim: 09/07/2013]
"Paisagem com grão de areia", Wislawa Szymborska, tradução de Julio Sousa Gomes, Lisboa: Relógio D'Água editores, 1a. edição (1998), brochura 14x21 cm., 359 págs., ISBN: 972-708-490-7 [edição original: Widok z ziarnkiem piasku (Poznan: Wydawnictwo a5) 1996]
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