Em "Instigations", um livro seu publicado em 1920, Erza Pound escreveu: "Artists are the antennae of the race but the bullet-headed many will never learn to trust their great artists.", ou seja, numa tradução frouxa, "Os artistas são as antenas de uma raça, mas a maioria dos cabeças ocas nunca aprenderão a confiar nos grandes artistas". Javier Marías é certamente um dos grandes artistas de nosso tempo, não porque saiba tudo sobre todas as coisas passadas e futuras (obviamente), mas sim porque é um sujeito que entende particularmente bem a complexidade do comportamento humano e, a exemplo de Henry James e Flaubert, enumerados por Pound para exemplificar seu ponto de vista, oferece reiteradamente através de seus textos oportunidades para que seus leitores compreendam melhor as metamorfoses e as sutilezas do comportamento humano. Isso é importante pois (citando Pound novamente), "é sempre fácil para as pessoas desaprovarem o que não são capazes de compreender". Em "Tiempos ridículos" encontramos 96 crônicas, publicadas no "El País Semanal" entre fevereiro de 2011 e fevereiro de 2013. São textos recentes, que não perderam nada de seu vigor e atualidade. Vários tem algo de premonitórios, de uma clarividência que quase chega a humilhar o leitor. E isso se dá tanto no campo da política (nos artigos dedicados a descrever os sucessos do governo de Mariano Rajoy), quanto no futebol (quando é sobre treinador de futebol José Mourinho que Marías escreve), ou mesmo na cultura (seus artigos sobre o uso maciço da tecnologia como ferramenta de controle social - ao qual a população voluntariamente se afeiçoa - são incríveis). Claro, há artigos que são mais inspirados que outros, mas a qualidade dos textos é sempre muito boa. Seu sarcasmo, feroz, nunca é dirigido aos leitores ou a população espanhola indistintamente, mas qualquer sujeito que leia os artigos identifica rapidamente o tipo de pessoa e/ou comportamento e/ou atitude que está sendo dissecada. Sua ironia garante gargalhadas sem fim. Sua inteligência nos obriga a procurar mais informações, melhorar nossa educação, aprimorar nosso gosto. Ele provoca no leitor um misto de admiração, espanto, assombro, reverência e fascinação. Já tive a chance de comentar várias vezes aqui a abrangência de sua visão, a completude de sua crítica, a implacabilidade de seus argumentos. Dos 96 artigos acredito que uns setenta poderiam ser adaptados facilmente para descrever o que acontece e/ou aconteceu no Brasil recentemente, há similaridades incríveis entre a Espanha e o Brasil quando se trata da depressão diária que as notícias trazem, quando se trata da má fé objetiva dos políticos, da estupidez cúmplice da população, da cegueira coletiva do país, a incapacidade da maioria entender coisas simples da economia, da política, das relações e compromissos sociais. Poderia aqui citar páginas e páginas que me impressionaram, mas transcreverei algo que pode ser utilizado para entender a paralisia e o transe que assombra a cidade onde moro, Santa Maria, onde aproximadamente 250 jovens morreram em um incêndio: "Nadie olvidará lo sucedido en Nueva York y Washington en 2001, ni lo acaecido en Madrid y Londres algún tiempo después. Pero nadie pude pensar en ello continuamente, eso tampoco. Excepto, quizá, los familiares y allegados de los muertos, marcados para siempre, asimismo "muertos" por su desgracia. ¿Continuamente? No sé. Sí en un día como hoy, desde luego, cuando se conmemora oficialmente a las víctimas, y "oficialmente" quiere decir con artificialidad y no excesiva sinceridad, como quien cumple con un deber de calendario. En 1658, el médico inglés Sir Thomas Browne, a quien traduje al español, escribió lo seguiente (y sé que he citado estas frases muchas veces, pero es que acuden a mi mente a menudo): "Apenas recordamos nuestras dichas, y los golpes más agudos de la pena nos dejan tán solo punzadas efímeras. El sentido no tolera las extremidades, y los pesares nos destruyen o se destruyen. Llorar hasta volverse piedra es fábula: las aflicciones producen callosidades, las desgracias son resbaladizas, o caen como la nieve sobre nosotros; lo cual, sin embargo, no es un infeliz entumecimiento. Ignorar los males venideros, y olvidar los males pasados, es una misericordiosa disposición de la naturaleza, por la cual digerimos la mixtura de nuestros escasos y malvados días; y, al no recaer nuestros liberados sentidos en hirientes remembranzas, nuestras penos no se mantienen en carne viva por el filo de las repeticiones". A experiência de ler esses textos é intransferível, portanto, para quem
pretende conhecer algo não ficcional de Javier Marías recomendo sem medo
a leitura de Mano de sombra, Seré amado cuando falte, A veces un caballero, Harán de mí un criminal, El oficio de oír llover, Demasiada nieve alrededor e Ni se les ocurra disparar. E bom divertimento.
[início: 20/06/2013 - fim: 09/07/2013]
"Tiempos ridículos", Javier Marías,
Madrid: Alfaguara (Grupo Santillana de ediciones), 1a.
edição (2013), brochura 14x22 cm, 367 págs. ISBN: 978-84-204-1440-9
Nenhum comentário:
Postar um comentário