Em vinte anos de carreira literária Amélie Nothomb já publicou vinte e um romances (além de um bocado de contos e adaptações cinematográficas). Claro, são livros curtos (nada dela em geral tem mais que cem, cento e cinqüenta páginas) mas também nada dela é irrelevante ou banal, nada deixa o leitor indiferente ou entediado. "Barba azul" é de 2012 e dialoga com seu livro de estréia, "Higiene do assassino", de 1992. Nesse, um irascível escritor, ganhador de prêmio Nobel de literatura, escolhe um conjunto de jornalistas para dar uma entrevista (onde humilha sistematicamente cada um) e é desnudado pela última deles, uma jovem e bela repórter, que ao final da entrevista, numa hábil inversão, o domina mentalmente. Em "Barba azul" Amélie Nothomb toma de empréstimo o conhecido conto infantil de Charles Perrault para confrontar, na mundana e sofisticada Paris contemporânea, uma jovem e imatura professora belga com um velho e maniático aristocrata espanhol. Os diálogos são diabólicos e divertidos. Assim como no conto infantil a jovem Saturnine Puissant sabe que compartilhar a mansão de Elemirio Nibal y Mílcar envolve um risco, já que as oito inquilinas que foram suas predecessoras desapareceram misteriosamente. A única advertência de seu anfitrião quando recebeu a nova locatária é a interdição de um quarto escuro. Sua curiosidade e autoconfiança fazem com que ela se decida pela experiência (além do mais ali ela vive num conforto extraordinário, incompatível com a renda que possui). Durante o dia ela continua a sair para suas aulas no Louvre e ele continua isolado do mundo (vulgar e aborrecido, em suas palavras) lendo clássicos místicos de Ramom Llull ou atas da inquisição espanhola. Nas noites invariavelmente ela é convidada para jantar com Elemiro, que é um habilidoso e criativo cozinheiro. Nessas breves noites ela entende melhor o caráter de seu anfitrião (algo mais que um louco ou provocador) e num jogo de sedução que é mais intelectual que sexual (e a exemplo da donzela na história original de Perrault) ela progressivamente o domina. Eles compartilham o jantar e taças de "champagne", mas também suas idéias sobre a beleza, a perfeição, o amor e a arte (o sujeito se imagina um fotógrafo). Há muito de esquemático no livro (afinal ela readapta à contemporaneidade uma história infantil que tem mais de trezentos anos) mas ela sustenta habilmente a tensão até os parágrafos finais. Pouco importa o destino dos dois protagonistas. O que está em foco no livro são as relações entre homens e mulheres, as fronteiras entre o desejo e a consumação, entre individualidade e vida em sociedade. Fazia tempo que não lia nada dela (e só li 8 de seus 21 romances). Talvez seja a hora de voltar a esse bom hábito. Félicitations Amélie.
[início: 19/05/2014 - fim: 20/05/2014]
"Barba azul", Amélie Nothomb, tradução de Sergi Pàmies, Barcelona: Editorial Anagrama, 1a. edição (2014), brochura 14x22 cm., 138 págs., ISBN: 978-84-339-7884-4 [edição original: Barbe bleue (Paris: Éditions Albin Michel) 2012]
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