Em "O caminhante solitário" W.G. Sebald conta seis histórias, seis biografias. Como usualmente em seus livros suas deambulações dão-se sobretudo pelo espaço ou geografia, fisicamente, já que ele percorre os caminhos já experimentados pelos autores sobre os quais fala. Mas no caso desse livro em particular são antes as viagens por sua memória afetiva (através da lembrança daqueles que o influenciaram desde a juventude, que o acompanharam desde o início de suas jornadas de estudos e prazeres) que o leitor irá acompanhar. As digressões de Sebald são ricas em associações e informações. Seus biografados são cinco escritores e um pintor: Johann Peter Hebel, um cronista alemão da revolução francesa e ascensão alemã do início do século XIX (um conservador progressista, algo místico, que editava almanaques); Jean-Jacques Rousseau, o grande filósofo iluminista (que na época descrita por Sebald se encontrava ferozmente perseguido por governos e igreja, exilado em uma ilha no lago de Biel/Bienne); Edward Mörike, um poeta romântico alemão que foi muito popular em sua época (os primeiros três quartos do século XIX); Gottfried Keller, um poeta e escritor suiço (de língua alemã) que foi muito influenciado pela doutrina de Rousseau por um retorno do homem a natureza e cujas obras são politicamente engajadas; Robert Walser, um outro escritor suiço cujas obras influenciaram a geração imediatamente posterior a sua (aquela de Stefan Zweig, Franz Kafka, Walter Bejamin, Hermann Heese e Robert Musil); Jan Peter Tripp, um artista plástico alemão, amigo de infância de Sebald e ainda ativo profissionalmente. Como nos demais livros de Sebald que já li há várias reproduções de fotografias e obras de arte distribuídas pelo texto. Sebald ressalta nesses curtos ensaios a introspecção, solidão, isolamento e/ou exílio que seus biografados experimentaram, como se tentasse entender através deles algo sobre a loucura ou a depressão que se abate nos homens. O nome do livro é inspirado em um de seus personagens, Jean-Jacques Rosseau, que publicou seu "Les Rêveries du promeneur solitaire" em 1778. Os devaneios solitários de Sebald propiciam um contraste entre eventos revolucionários do início do século XIX e do mundo contemporâneo em experimentamos desde a queda do muro de Berlin. Não se trata de reflexões típicas de sociólogos ou economistas, claro, mas sim de um escritor que consegue localizar em textos de ficção já antigos aquilo que se parece com respostas a nossas dúvidas e reclamações contemporâneas. Assim como para os escritores do século XIX as ilusões do contrato social iluminista já eram óbvias, basta consultar os jornais diários para reconhecermos que o progresso e o liberalismo não estão em nossa ordem do dia. Também hoje o impulso democrático parece ser incapaz de nos poupar de gente saudosa do fascismo e outras doutrinas totalitárias (principalmente nesse país podre e doente que é o Brasil).
[início: 25/04/2014 - 29/04/2014]
"O caminhante solitário: Sobre Gottfried Keller, Johann Peter Keller, Robert Walser e outros", W.G. Sebald, tradução de Telma Costa, Lisboa: Editorial Teorema, 1a. edição (2009), brochura 15,5x23,5 cm., 163 págs., ISBN: 978-972-695-886-4 [edição original: Logis in einem Landhaus: Autorenporträts über Gottfried Keller, Johann Peter Hebel, Robert Walser und andere (Munich: Carl Hanser Verlag GmbH) 1998]
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