
Vamos a ver. Meu manual de boas maneiras diz que cortesias devem ser respondidas com cortesias, mas deve haver um razoável equilíbrio no processo de reciprocidade às cortesias. Pois bem. Recebi dos gentis e industriosos editores da santamariense Arquétipos Tríade Editorial, um exemplar do Projeto AIC – Metamorfose, de Lion Goya. E recebi em um dia feliz, de muita conversa boa e troca de experiências. Eu já conhecia o livro pelo comentário dos amigos. O projeto editorial é ambicioso, agressivo, ousado mesmo. Os banners e o material de apoio distribuídos quando do lançamento do livro no final do ano passado deixaram todos os colegas do conselho da CESMA e das reuniões do café impressionados. Saber que a editora é santamariense torna o projeto ainda mais louvável. É este o tipo de coisa que se espera dos jovens empresarios santamarienses: que apostem mesmo seu dinheiro em projetos sérios e inovadores, sem apoio do fácil dinheiro público. Nas últimas semanas tive minha cota de pesada de leitura: O livro do Magnoli me prendeu um bocado, o descanso com os poemas da Emily Dickinson foi só um aperitivo para os altos cumes do "Menina Má" doVargas Llosa, e o segundo Jeeves do ano, foi pura e fugaz diversão. Mas sobre tudo isto eu já escrevi no blog antes e não há mais nada a acrescentar, pois o tom do blog é fazer mesmo apenas curtas resenhasdas minhas experiências com os livros que vou lendo neste ano quente e agitado. Por conta desta cota de leitura o livro do Goya foi ficandopara trás, mas entre um Jeeves e outro cismei de começá-lo. Começei na quinta-feira mesmo, dia 08, quando terminei o segundo Jeeves e estou aqui a escrever na segunda, dia 12, quando vou começar um novo Jeeves.
Projeto AIC – Metamorfose é um livro fácil de ler e bem estruturado, mas com notas e guias de leitura que expõem toda a ossatura doprojeto: os objetivos, o processo editorial, as preocupações estéticasdo autor e o que é definido pelos editores e pelo autor por "projeto psicodinâmico do livro". Acontece que eu acho que há muitasimprecisões e mesmo afirmações no livro que não podem ser simplesmente relevadas. Como o livro é de ficção e deve ser lido como tal, toda liberdade criativa e narrativa é possível e todo compromisso com ofactual e o mundo real pode ser esquecido, em nome da infinita capacidade humana de criar novos mundos. Mas como posso ler um livroque registra tantas vezes argumentos pseudo-científicos sem sair com meu taco de beisebol mental pronto para o revide? Os apêndices nãoficcionais do livro não podem deixariam dúvida, por exemplo, de que nunca houve comprovação científica da existência de vida extraterrestre; de que formações circulares em plantações são obra de nós Homo Sapiens Sapiens e não de alienígenas; de que não há a menor evidência científica da existência de cura para HIV; de que não há comprovação científica que o HIV é obra de cientistas; de que mediunidade é uma impossibilidade e arma de charlatães; de que animais não ficaram sabendo "antes" do tsunami que atingiu a Ásia em 2005; de que a Igreja não é uma necessidade inata do homem pelo fato dele conviver com mitos religiosos há 100.000 anos e por aí, neste tom, eu poderia seguir por longos parágrafos, citando vários temas que são totalmente pseudo-científicos, inaceitáveis mesmo. Isto me faz acreditar que Projeto AIC – Metamorfose seria um livro pelo qual teria menos reservas caso todos os "extras", os "apêndices", que ganham nome variados como notas, glossário, curiosidades, entrelinhas, e, principalmente, a sessão inteira chamada "bastidores do projeto", fossem simplesmente eliminados. Mas isto seria questionar o próprio projeto editorial que viabilizou o livro e sua divulgação. Acredito mesmo que se cada um dos leitores tivesse a chance de construir por si mesmo algum entendimento do livro este último se salvaria como uma obra de ficção válida, já que os apêndices parecem apenas forçar o leitor a acreditar em bobagens olímpicas e inverdades científicas que fazem qualquer pessoa familiarizadas com estes temas a se afastar do livro com raiva (como dizia a Dorothy Parker que devemos fazer com alguns livros). Bom divertimento mas, por favor, não termine este livro acreditando em tolices, aprecie sim o enredo, que é mesmo repleto de conexões originais entre temas distintos, alguns muito conhecidos, mas muitos outros genuínos e novos, garimpados de forma ousada pelo autor. É isto.
Projeto AIC - Metamorfose, Lion Goya, editora Arquétipos TRED, 1a. edição (2006) ISBN: 85-60294-00-7