É sempre sutil, mas cada livro que encontramos conecta-se com os anteriores e futuros. Como leio vários livros simultaneamente é comum que estabeleça sempre associações (ou introduza contaminações) entre eles. Se no "A máquina de fazer espanhóis" valter hugo mãe inventa um futuro para um homem velho como seu pai nunca chegou a ser, nesse "Diário da queda" o que encontramos é a justificativa mental para a invenção de uma trajetória, ou melhor, de uma guinada na vida, uma mudança no futuro de um homem que pode não vir a se tornar pai caso continue com seus hábitos mais entranhados. Trata-se de uma boa história, num livro muito bem escrito. Lembra um tanto o "Quase memória", do Carlos Heitor Cony, mas "Diário da queda" é mais irônico e mais explicitamente literário. Michel Laub faz seu narrador contar a história de três gerações de homens, como em um recenseamento. Este narrador conta o que sabe de seu avô, o que sabe de seu pai e o que sabe de si próprio. Do primeiro as memórias são emprestadas, já que ele não o conheceu. Mas seu pai tampouco parece ter compreendido a complexidade do avô, um sobrevivente de Auschwitz radicado na Porto Alegre do final dos anos 1940. A relação do narrador com seu pai é igualmente difícil e ambígua. O livro parte da descrição de um acidente ocorrido durante o Bar Mitzvah de um colega de turma (gói) do narrador. A obsessão do narrador com sua culpa no acidente e todos os desdobramentos desta culpa (rompimento com os demais colegas, mudança de colégio, briga com o pai, tentativa de se redimir através de uma amizade artificial este colega, as traições cruzadas e seus relacionamentos afetivos complicados) servem como espelho para ele analisar a memória e os atos de seu pai e de seu avô, como se ele estivesse transferindo essa culpa original para alguém, por conta dos atos pregressos de seu pai e de seu avô. Há uma espécie de economia em seu texto (e registro isso não exatamente como um demérito). Ele não é nada verborrágico, nem se preocupa em criar metáforas elegantes, que adornem ou glamurizem o que se descreve. Os capítulos algo fragmentados basicamente constrastam as agruras do Alzheimer, a história judaica pós segunda grande guerra e a intoxicação do alcoolismo. O texto progressivamente acumula camadas de memória, que podem ser reais, tanto as individuais quanto as coletivas, mas também podem ser inventadas ou manipuladas, tanto individualmente quanto coletivamente. Laub apresenta um mosaico de reflexões sobre esses três grandes temas que certamente não irão deixar nenhum leitor indiferente. Bom livro. [início 31/08/2011 - fim 03/09/2011]
"Diário da queda", Michel Laub, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2011), brochura 14x21 cm, 151 págs. ISBN: 978-85-359-1817-5
3 comentários:
Pois é meu caro Guina.
Estive com esse livro nas mãos e não adquiri, estava meio em dúvida, pois não achei muito interessante “O gato diz adeus” do Laub, embora alguns amigos tenham gostado. Sendo assim, acho que vou encarar esse diário.
Abraços
athos meu velho.
é um livro curto, enxuto mesmo, mas que funciona. não é o melhor livro do ano, mas está entre os melhores livros que li esse ano.
abraços.
Excelente mesmo.
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