Quando a versão original desse livro foi publicada, em meados de 2008, o mundo da gastronomia já discutia se os argumentos nele apresentados tinham valor intrínsico ou eram fruto de uma guerra de egos entre Santi Santamaria e Ferrán Adrià (uma guerra dos fogões, cunhou algum jornalista mais açodado e/ou engraçadinho). Parte da crítica de Santamaria aos procedimentos e técnicas utilizados por Adrià já havia sido apresentada em um grande evento gastronômico do ano anterior, o Madrid Fusion, e havia provocado uma discussão ácida, que repercutiu politicamente e economicamente (o turismo gastronômico é muito importante para a economia espanhola). Pode ser encontrada também marginalmente em outros livros, como o "As revoluções de Ferran Adrià", já resenhado aqui. Santamaria tinha enfáticas reservas ao massivo uso de gelificantes, estabilizantes e emulsificantes de laboratório utilizados na dita cozinha molecular de Adrià e seus seguidores. Para ele a relação entre os chefs adeptos desta cozinha com as grandes empresas farmacêuticas e químicas era mais que prosmíscua e irresponsável, tendo já se tornado uma questão de saúde pública. Em seu "A cozinha a nu" Santamaria apresenta os valores que defendia, enfatizando os aspectos culturais, sociais, geográficos e históricos relacionados a alimentação. Para ele a ciência e a tecnologia são parte inseparável do fazer culinário, mas não podem superar ingredientes e tradição em protagonismo. As viagens gastronômicas, a formação de jovens cozinheiros, o contato com os livros de outras culturas devem contribuir para o desenvolvimento de uma ética do paladar, que ressalte a responsabilidade pública dos grandes chefs. Santamaria entendia que a cozinha e a alimentação não podiam ser vistos apenas sob a ótica industrial, como elementos de um circo midiático. Desde a época da publicação e da polêmica muita coisa aconteceu: A crise econômica tornou-se perene e afetou todo o setor de gastronomia; Adrià fechou em 2010 seu estrelado restaurante El Bulli (seus apoiadores argumentam que ele reabrirá como um renovado centro de criatividade culinária e seus detratores que ele apenas utilizou uma brecha legal para apropriar-se de um espaço público no entorno de seu restaurante); a cozinha molecular parece não entusiasmar tanto como há dez anos; a cozinha italiana parece chamar mais atenção que a espanhola, como exemplo de renovação e Santamaria morreu, jovem, aos 53 anos, em 2011. E a vida segue. Provavelmente já dentro de alguma caverna, muito tempo atrás, um sujeito brigou com outro dizendo que a carne de mamute ficava melhor grelhada com ervas, enquanto outro preferia seus filés de mamute salteados com cogumelos. Os procedimentos culinários, a eterna luta contra o fogo, a transmissão dos conhecimentos e da tradição e o apuro dos sentidos gastronômicos estarão sempre em constante transformação (e eu fico a pensar o que diria disto tudo o sarcástico Manuel Vázquez Montalbán, talvez seja a hora de reler alguns dos livros dele. Veremos).
[início: 28/01/2013 - fim: 12/02/2013]
"A cozinha a nu: uma visão renovadora do mundo da gastronomia", Santi Santamaria, tradução de Magda Lopes, São Paulo: editora Senac São Paulo, 1a. edição (2009), brochura 16x23 cm., 277 págs., ISBN: 978-85- 7359-863-6 [edição original: La cocina al desnudo: Una visión renovadora del mundo de la gastronomia (Madrid: Premio de Hoy / Grupo Planeta) 2008]
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