segunda-feira, 25 de março de 2013

mrs. dalloway

Lembro-me de ter lido "Mrs. Dalloway" pela primeira vez ainda nos tempos em que vivia na São Paulo dos Campos de Piratininga, "drowning in honey, stingless",  (mas, ai de mim, só soube quão doces eram aquelas delícias muito tempo depois). Ao saber que Denise Bottmann havia sido contratada para produzir uma nova versão para o português acompanhei seu projeto de tradução através do altamente recomendável blog traduzindo mrs. dalloway. Recentemente o livro foi publicado. E que dias bons experimentei relendo-o! Justo os dias derradeiros deste glorioso verão. Virgínia Woolf conta sua história utilizando-se de fluxos de consciência emaranhados. A história e os pensamentos da protagonista, Clarissa Dalloway, na Londres dos anos pós-primeira grande guerra, tangencia uma miríade de outras. Clarissa, uma mulher nos seus cinquenta anos, confortável em sua vida anódina, organiza uma recepção (ela é conhecida por preparar festas como esta regularmente). Ela passa o dia relembrando fragmentos de sua infância; de suas escolhas afetivas; de seus relacionamentos, com o marido (Richard), a filha (Elizabeth) e sobretudo três amigos: Peter Walsh (um antigo pretendente), Hugh Whitbread (um sujeito irritante) e Sally Seton (a amiga que um dia foi mais íntima). Como contraponto às futilidades do mundo aristocratico de Clarissa, Virgínia Woolf descreve os sofrimentos de um veterano de guerra, Septimus Smith, que está prestes a sucumbir a um colapso nervoso, apesar dos esforços empreendidos por sua mulher (Lucrezia) e dois médicos (Bradshaw e Holmes) para mitigar seus tormentos. Não consigo imaginar (e de resto não é nem um pouco necessário) um resumo de livros como "Mrs. Dalloway". O papel e a força de cada personagem no livro não pode ser subestimado (por menor que sejam as passagens e associações dedicadas a cada um). A narrativa passa por uma legião deles, que têm sua cota de tempo e espaço. O que apreciamos no livro está nos detalhes, nas frases soltas, nas conexões que a autora - e sobretudo cada leitor, a cada leitura, alcança fazer. Os temas desenvolvidos por Virgínia Woolf também são instigantes: o mundo colonial, a divisão de classes inglesa, as agruras da guerra, a homossexualidade, o feminismo, a complexidade das doenças mentais. Virgínia Woolf não é nem um pouco condescendente com sua protagonista ("Ela provinha da mais indigna das classes - a dos ricos com um leve verniz de cultura"). Mas um leitor não precisa gostar do caráter ou do comportamento dos personagens de qualquer ficção, mas sim dos efeitos que os livros provocam. E esse deslumbramento Virgínia Woolf alcança produzir. De qualquer forma não consigo imaginar-me gostando de uma senhora Dalloway como gosto de um senhor Bloom. E talvez seja por isso que sempre imagino que o dia estival que entorpece cada um dos personagens, fazendo deles brotar a história (que é a história de um eterno presente congelado, como numa fotografia), poderia ser o mesmo 16 de junho de Leopold Bloom, o mesmo Bloomsday, o mesmo dia em que James Joyce escolheu para ambientar seu Ulysses. Bom divertimento.
[início: 17/03/2013 - fim: 20/03/2013]
"Mrs. Dalloway", Virginia Woolf, tradução de Denise Bottmann, Porto Alegre: LPM editora (coleção LPM pocket, vol. 1033), 1a. edição (2012), brochura 105x18 cm., 224 págs., ISBN: 978-85-254-2622-2 [edição original: Mrs. Dalloway (London: Hogarth Press) 1925]

2 comentários:

Vanessa Souza disse...

Grande livro.

Sonia Regina Rocha Rodrigues disse...


estou lendo e adorando o livro, o estilo dela me lembra o da Clarice, neste fluxo interior de pensamento bastante rico.

http://soniareginarocharodrigues.blogspot.com.br/