segunda-feira, 23 de novembro de 2020

moldura de lagartas

Conheci a poesia de Susanna Busato por acaso, lá nas terras altas de Itaara, num dia de frio inverno, ao ouvir seu podcast (Poesia como entrada), gravado com Marcelo Tápia. Curioso, esperei o lançamento anunciado deste seu "Moldura de Lagartas". Neste volume ela oferece ao leitor seis conjuntos de poemas, totalizando 58 propostas. São poemas inventivos, que se por vezes flertam com a fantasia ou o sonho, sempre mostram alguém que domina as formas, os ritmos, as técnicas poéticas, enfim, seu ofício e arte. A metáfora do título: a ideia que um livro é o casulo de uma lagarta, que por sua vez é pensamento, a potência pura dos poemas, domina todo o volume. Como em um ciclo viconiano (que brota da epígrafe do livro), os pensamentos têm fome, percorrem o livro, comem o próprio rabo, conduzem ao leitor por uma aventura e o devolve às indignações iniciais do primeiro conjunto: "Sabe (,) lagarta? / Eu sou. / Eu sendo. / Ex-centro.", onde a ideia parece ser a de gestação, de criação, da vontade lasciva dos poemas de romper a armadura de um casulo, uma não-existência, e da necessidade de experimentar o mundo. Nos demais cinco conjuntos: "A poesia é fuga ou combate?"; "Colíricos"; "Eu exílio / e mefisto / de vermelho."; "Alvéolos de ar comprimido" e "Ex- / pulso / punctum / final", o leitor acompanha como a poeta fala de seu método, suas musas, seu ofício; explora sinestesias e o passar do tempo; força um espaço extra em certas palavras, que por vezes precisam respirar entre as letras que as compõe; explica como funciona sua respiração (que poeta e leitor têm de aprender, quando passam por metamorfoses (seja a de um mundo fluido e líquido que torna-se um mundo menos fluido, que é o ar, ou talvez a metamorfose de quem lê silente e passa a falar e cantar os poemas); faz viagens urbanas; abre asas e alça voos imagéticos; duvida de si e dos outros; sabe-se um corpo que sofre, sente e se extasia; faz homenagens a quem a conduz por escolhos e sombras (Haroldo de Campos, Carlos Drummond de Andrade, Jacques Prévert, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, René Magritte, Augusto de Campos, Antonio Vicente Seraphim Pietroforte, João Cabral de Melo Neto e Hilda Hilst, doces nutrizes de todos os poetas). O volume oferece dois mimos extras aos leitores: ilustrações assinadas por Ricardo Cavani Rosas e um bom posfácio assinado por Antonio Manoel dos Santos Silva (aprender o que não se sabe sempre é uma alegria). Livro bem interessante, de significados, de fôlego, onde os prazeres do intelecto (que emulam aqueles mais primitivos e humanos, do corpo) ganham o dia. Mas chega de mundanidade literária, é hora de voltar as esquivanças da vida, ao hábito (fiel camareiro), aos compromissos. Ai de mim. E vamos, quando possível, partir ao próximo livro. Vale! 
Registro #1591 (poesia #138)
[início: 16/10/2020 - fim: 08/11/2020]
"Moldura de lagartas", Susanna Busato, São Paulo: V. de Moura Mendonça Livros (Selo Demônio Negro), 1a. edição (2020), capa-dura 16x23 cm., 120 págs., ISBN: 978-85-66423-78-5

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