terça-feira, 1 de dezembro de 2020

o imperador de sorvete

Nesta antologia, bilíngue, estão reunidos poemas de Wallace Stevens publicados originalmente entre 1923 (quando ele já tinha 43 anos) e 1957 (póstumos, pois ele morreu em 1955). São trinta e seis poemas, sete ou oito deles especialmente longos, que são os que mais cativam o leitor. As propostas de Stevens são quase sempre complexas, cerebrais, de uma abstração que confunde e espanta, porém que também nos enfeitiça e encanta. Há muitas reflexões sobre o ofício do poeta, sobre estética, sobre a capacidade de plasmar com palavras conceitos, ideias, a essência última das coisas. "The poem must resist the intelligence / Almost successfully. Ilustration: (...)", ele diz, no início de Man Carrying Thing. Noutro poema ele lembra que a poesia "Deve ser abstrata, deve mudar, deve dar prazer", mas a organização, seu método, tem algo de campanhas militares, de preparativos para uma guerra. Stevens povoa seus poemas com coisas simples: as cores, os sons, a noite, os rios, as aves, os frutos e árvores, a aurora, o tempo e a velhice. Todavia, a simplicidade das coisas que evocam sua musa é uma ilusão, pois seus poemas sempre cobram do leitor atenção, seja ao rico vocabulário, às imagens e aos jogos sonoros, seja às associações, os contrastes e aos veios de ouro puro e fino de imaginação. Os embates poéticos que aparecem são sempre entre um deus difuso e o homem, eterno e velho fantoche. Lembro de ter lido uma outra versão desta antologia, em meados dos anos 1980 (uma coleção poderosa, que incluía volumes de William Carlos Williams, W.H. Auden, Seamus Heaney, Marianne Moore, Eugenio Montale, Elizabeth Bishop, W.B. Yeats). Paulo Henriques Britto, que já assinava a tradução do livro naquela época, acrescentou novos poemas à antologia original e corrigiu "coisas abomináveis", em suas próprias palavras, que havia feito há quarenta anos. Ele também assina uma apresentação, notas e uma boa discussão sobre seu projeto de tradução (aprende-se um bocado). Aliás, vale a pena ver essa entrevista feita com ele e seu colega Caetano Galindo, sofre o ofício de Tradução literária. Esse foi uns dos volumes que acompanhou-me em meu exílio pandêmico, lá nas terras altas de Itaara. Como toda boa literatura, ajudou-me a suportar os dias de solidão, de frio, de ensimesmamento, de medo. Depois, já novamente aquerenciado ao apartamento citadino, continuei com ele à mão, relendo os poemas que mais me impressionaram, como este, que transcrevo aqui: "The Planet on the Table: Ariel was glad he had written hist poems. / They were of a remembered time / Or of something seen that he liked. // Other maskings of the sun / Were wasste and welter / And the ripe shrub writhed. // His self and the sun were one / And his poems, although makings of his self, / Were no less making of the sun. // It was not important that they survive. / What mattered was that they should bear / Some lineament or character, / Some affluence, if only half-perceived, In the poverty of theirs words, / Of the palanet of which they were part." (Paulo Henriques Britto traduziu assim: "O planeta na mesa: Ariel gostou de ter escrito seus poemas. / Eram de um tempo relembrado / Ou de algo visto que o agradara. // Outros feitos do sol / Eram a gruta e tumulto / E o arbusto maduro retorcido. // Seu ser e o sol eram um só / E seus poemas, embora feitos de seu ser, / Não eram menos feitos do sol. // Que perdurassem não era importante. / O importante era que portassem / Algum traço ou caráter, // Uma afluência, mesmo quase imperceptível, / Na pobreza de suas palavras, / Do planeta do qual faziam parte"). Vale!
Registro #1594 (poesia #139) 
[início: 02/04/2020 - fim: 30/11/2020]
"O imperador de sorvete e outros poemas", Wallace Stevens, tradução de Paulo Henriques Britto São Paulo: editora Schwarcz (Grupo Penguin Random House / Companhia das Letras), 1a. edição (2020), brochura 14x21 cm., 332 págs., ISBN: 978-85-359-3008-5 [edição original: Stevens: Collected Poetry and Prose (New York: Library of America) 1996 e (New York: Alfred A. Knopf/Doubleday Group/Penguin Random House) 1997]

Um comentário:

Kelvin Falcão Klein disse...

Gosto muito do Stevens, vou atrás dessa coletânea.
abraço!