Nos anos 80 uma edição do antigo Folhetim, suplemento literário da Folha de São Paulo trazia em letras grandes "I leaf falls on loneliness", mas não escrito assim, na horizontal, mas sim em linhas de um ou dois caracteres, tomando toda a vertical da página de jornal. Havia também parênteses, um número um que lembrava uma letra ele, pontos e vírgulas solitários. Foi uma surpresa visual que naquela época me tomou por completo. "Uma folha cai, solitude", dizia a tradução do Augusto de Campos, também na vertical, ao lado. Que arrebatamento. Desde então sempre tenho um cummings ao lado, pronto para me surpreender. Recentemente um grupo de poetas e tradutores curitibanos resolveu enfrentar o mestre e eis que agora sai este pequeno livro de poemas, em edição bilíngue. São apenas 30 deles, recolhidos desde os mais antigos, de 1922, até os publicados postumamente, em 1983. Em cummings sempre encontramos seus temas mais caros: o amor e a morte, o ritmo do tempo nas estações, as perguntas retóricas, as lembranças e a timidez. As traduções me pareceram muito honestas, em que pese o fato de não serem exatamente literais. Uma das soluções para a tradução de um dos poemas, grafado em minha memória com uma outra balada, causou-me estranheza: eu gosto mais do "isso é meu, disse ele; você é meu, disse ela", enquanto que Adalberto Müller preferiu: "valeu! ele disse; é Meu, ela disse." Bobagens. Este é um reparo bobo. Trata-se de um belo livro de poemas, que encantará todo aquele que ainda não conhece a obra de cummings e trará belas lembranças as fiéis leitores de outros tempos. No prefácio, escrito por um outro poeta curitibano, também participante do grupo de estudos de tradução dos outros três, li uma coisa realmente instigante. Trata-se de uma idéia que explica como cada um de nós foi separado fisicamente da escrita com a invenção da tipografia e de como agora, nestes tempos de tanta interferencia digital entre a idéia de literatura e sua fruição por um hipotético leitor, este mesmo distanciamento novamente se apresenta. Estaremos todos ficando fisicamente equidistantes das palavras a ponto delas ficarem menos fortes e menos caras a nossos corações? Esta é uma cousa para se pensar.
O Tigre de Veludo, e.e.cummings, tradução de Adalberto Müller, Mario Domingues e Maurício Cardoso, editora da UnB, 1a. edição (2007) ISBN: 978-85-230-0948-9
Um comentário:
olá, gostei de seus comentários ao Tigre de Veludo.
Um abraço
Adalberto Müller
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