O prazer à mesa nos torna um tanto exagerados. Terminei o pequeno livro do Daniel Boulud e resolvi começar sem intervalo este “Maus bocados”. Mais receitas, comidas exóticas, a rotina agitada dos restaurantes, mais fome! Anthony Bourdain é da mesma geração que Boulud, mas tem uma trajetória um tanto diferente. Americano, ele realmente entrou no mundo da alta gastronomia pela porta dos fundos (que é a porta da cozinha afinal de contas). Apesar de ter cursado vários cursos de gastronomia em sua juventude e ter se habilitado com louvor para a profissão seu treinamento foi “à americane”: primeiro os livros, depois a cozinha. Nada parecido com o eterno louvor ao ciclo das estações e amor às tradições (o terroir) dos franceses. Lentamente, trabalhando duro na bancada de salteados, se esforçando na eterna luta contra o fogo e preparando infinitos “mise en place” ele chegou à grande chef de um importante restaurante novaiorquino, o Les Halles de meados dos anos 1990. Nos seus livros anteriores [Cozinha confidencial e Em busca do prato perfeito] ele conta esta escalada, sempre lembrando das diferenças entre um restaurante estrelado pelo guia Michelin e um restaurante como aquele onde ele chegou a chef, onde 300 refeições diárias eram preparadas e servidas antes dos clientes sairem correndo para um espetáculo na Broadway (mesmo caros os restaurantes têm lá seus condicionantes). Claro, o fato dele confessar seus hábitos pouco ortodoxos na cozinha dão um colorido especial aos livros. Eles são de fato muito engraçados e repletos de histórias dos bastidores do mundo invejável dos grandes chefs. Os livros grangearam-lhe fama instantaneamente (que ele não se furtou em capitalizar para adaptá-los para um programa de televisão produzido originalmente para o canal Discovery Travel). Aparentemente neste programa ele quase sempre sai em busca de histórias curiosas que venham acompanhadas de pratos fortes e exóticos pelo mundo todo (sua passagem pelo Brasil: São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, parecem ter sido movidas à doses poderosas de caipirinhas e outras delicinhas). Mas este livro tem um defeito acho eu: como se trata de uma coleção de artigos originalmente escritos para revistas ou rascunhos de idéias que antecipavam os roteiros de seu programa de televisão não há uma harmonização convincente ao final. Há uma seção no final do livro intitulada "comentários" onde ele explica a gênese de cada artigo. Se esta seção fosse incluída imediatamente antes de cada artigo estou seguro que o efeito sobre a leitura seria bastante favorável. Paciência. O livro já está editado e eu sou o menor dos anões desta freguesia. "Cozinha confidencial" é de longe o melhor livro que li dele. "Em busca do prato perfeito" serve como um guia gastronômico sentimental que invejamos um tanto. "A cozinha do Les Halles" é um livro clássico de receitas. Já este "Maus bocados" deixa um travo amargo no leitor, como se o chef tivesse errado enfim uma receita que parecia fácil.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário