Recentemente um fato que já era mais ou menos corriqueiro para quem acompanha o mundo real ganhou destaque na mídia e virou questão nacional. Falo das não-admissões sistemáticas de brasileiros pelas autoridades aeroportuárias espanholas. O caso ganhou destaque depois que uma mestranda em física na usp paulista foi colocada de volta em um avião sem poder fazer uma conexão para Portugal, onde participaria de um congresso. Ulalá, alguém da classe média caiu na malha! Alguns agentes alfandegários brasucas deram o troco, o glorioso ministro das relações exteriores tergivisou como só ele sabe fazer (como se todos os outros fossemos mesmo pascóvios, como sempre), outros aspones mostraram porque a letargia é mesmo a coluna vertebral deste governo, e o negócio ganhou os minutos nobres da televisão. Mas eu não devia ficar comentando isto aqui pois esta questão vai muito mais longe ainda. Se é que cabe o registro acho que as barreiras alfandegárias ficarão muito mais rígidas do que são agora em todos os lugares do mundo e não apenas na Espanha, nos EUA, na Inglaterra, como agora. Na verdade a não-admissão não é o problema real: o problema real é se perguntar porque tantos brasileiros jovens, velhos, altos, baixos, gordos e magros, tentam se virar em outros lugares. Parece que está tudo muito bom, o futuro nos sorri, nunca antes neste país se viveu tão bem, mas mesmo assim milhares de brasileiros todos os anos preferem experiências como por exemplo lavar banheiros sujos de restaurantes de beira de estrada na Espanha, sem carteira assinada, sem direitos, sem segurança, correndo infinitos riscos, só pelo prazer de fazer isto longe do Brasil. Só na Espanha são uns 100 mil ilegais, vejam só. O Brasil não é mesmo um país para amadores, dizia o Antônio Carlos Brasileiro de Almeida. Presto! Para entender um tanto melhor estes azares e a alma espanhola resolvi ler mais da lavra de meu guru espanhol, o jornalista e escritor Manuel Vázquez Montalbán. "Un polaco en la corte del Rey Juan Carlos" eu achei em um sebo recentemente e deixei-o guardado na estante, como se um diabo tivesse me alertado para se preparar para um combate próximo. Nossos múltiplos ministros das relações exteriores estavam ainda combinando que desculpa esfarrapada dariam para os brasileiros barrados no baile europeu e eu já estava na página 100 deste tijolo de Montalbán, devorando-o. Neste livro ele descreve quase na forma de diário os dias que antecederam as eleições gerais espanholas de 1996, quando os socialistas, em uma crônica anunciada pelos fatos terríveis de então, perderam o poder para o partido popular, direitista como só os verdadeiros franquistas sabem ser (e pensar que o partido popular brasuca apoia o governo de plantão incondicionalmente, que piada!). Mas Montalbán usa estes momentos chaves do que ele chama de segunda transição espanhola para analisar o quadro político da época. É um livro precioso. Qualquer aprendiz de jornalismo político deveria lê-lo. Não conhecia a grande maioria dos entrevistados (políticos, empresários, intelectuais, juízes, profissionais liberais, escritores) mas cada um deles torna-se vívido pelo texto contundente de Montalbán. A meu juízo vejo muitos paralelos (as vezes com sinais cruzados, as vezes simétricos mesmo) entre esta transição e o caso brasileiro (tanto na transição entre os anos FHC para o governo lula, quando deste último para o imponderável que se avizinha). Marx já havia escrito no Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, corrigindo um tanto Hegel, que a história se repete, mas como farsa. Nada mais adequado e atual. Será que nenhum grande jornalista brasileiro se interessa por estes temas? Claro, certamente haverá um pac do jornalismo chapa branca que vai gerar laudas laudatórias para nosso timoneiro anão, mas porque um jornalista de verdade não analisa o que acontece no Brasil de hoje com a mesma honestidade intelectual de Montalbán? O livro é extenso, mas muito agradável de se ler. Há um índice onomástico muito bom. A ironia e o bom gosto característicos de Montalbán tornam a leitura deste livro uma experiência instrutiva e verdadeiramente prazerosa. Bom divertimento.
"Un polaco en la corte del Rey Juan Carlos", Manuel Vazquez Montalban, editora Algagarra, 4a. edição (1996) brochura 15x24cm, 560 pág., ISBN: 84-204-8206-4
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