quarta-feira, 13 de abril de 2011

a leitura e seus lugares

Soube da existência deste livro por conta de um post no twitter. O post era um RT (um retweet) irrelevante, lembro bem, mas voilá, rapidamente alcancei o autor original da frase que me interessou (Júlio Pimentel Pinto) e seu blog de crítica literária (o bom paisagens da crítica). Justamente por ter encontrado no blog várias resenhas boas de livros de Andrea Camilleri resolvi comprar este seu "A leitura e seus lugares", publicado em 2004. Júlio é historiador e professor universitário, especialista em Borges. Na verdade só comprei o livro por conta de um bloco de ensaios onde ele discute leituras de Marcel Proust, Bioy Casares e Andrea Camilleri mas, como acontece com os bons textos, acabei lendo o livro todo. O projeto confesso do autor, registrado em sua apresentação do livro, é “convidar a boas leituras num tempo em que pouco se lê e, inúmeras vezes, se lê mal ou se lêem coisas ruins.” Bueno. Não compartilho de seu otimismo em levar este projeto a bom termo, mas louvo sua persistência e dedicação (que podemos acompanhar em seu generoso blog). Acontece que costumo ser mais cínico e elitista, exatamente por não acreditar que em algum momento no futuro próximo uma fração maior da população brasileira desenvolva hábitos de leitura consistentes. Paciência. "A leitura e seus lugares" reúne doze ensaios. Quatro deles já haviam sido ao menos em parte publicados em revistas acadêmicas. Os demais, inéditos, foram trabalhados previamente em cursos de pós-graduação e seminários. Os ensaios são curtos e provocam, mais que convidam, o leitor a pensar. Eles são divididos em quatro conjuntos. Gostei particularmente do primeiro e dos textos sobre Proust e Camilleri no último. Nos três ensaios iniciais ele discute o papel da crítica (e usa um exemplo das artes plásticas, interessante associação); discute a construção de uma biblioteca pessoal (não a construção física, mas a que referencia e guarda memória de leituras); discute o papel central do leitor (de cada leitor individual, que faz associações, enxerga afinidades, vincula textos e tradições, de forma independente da crítica). Sua descrição da banalização provocada pela crítica (profissional ou amadora), onde se substitui o prazer único da leitura por generalizações advindas das leituras de terceiros é muito boa. A meu juízo boa parte destas leituras são eivadas pelo interesse imediato das editoras e pelo cabotinismo de quem as publica - como eu mesmo neste meu blog, claro. Um bom leitor tem de esforçar por construir sua própria interpretação dos textos. O segundo conjunto de ensaios trata de como opera o sentido de modernidade, literariamente falando, e da identidade cultural na América Latina (acho que o nome técnico disto são estudos das literaturas pós-coloniais, mas posso estar errado). No terceiro conjunto de ensaios Júlio Pimentel apresenta interessantes digressões sobre a obra de Borges (principalmente sobre a fronteira entre o autor forte que ele é e a mitologia literária que cerca sua memória). É um conjunto algo heterogêneo, mas que se defende sozinho. Pimentel publicou um outro livro, "Uma memória do mundo", onde fala apenas de Borges e sua obra. Vou procurar este texto um dia, mas antes vou voltar ao Andrea Camilleri e ao Javier Marías, ao Haroldo de Campos e ao Proust, claro. [início 22/03/2011 - fim 31/03/2011]
"A leitura e seus lugares", Júlio Pimentel Pinto, São Paulo: editora Estação Liberdade, 1a. edição (2004), brochura 14x21 cm, 183 págs. ISBN: 85-7448-094-0

2 comentários:

Unknown disse...

Eu tenho a impressão de que a imagem e as ligações, ou interligações, entre os textos só ocorre ao leitor depois de alguma bagagem, ou da formação daquela biblioteca pessoal a que você se refere.
Ao ler o livro de Douglas Hofstadter aprendi que a imagem que o jogador de xadrez faz em sua mente para a próxima jogada é muito diferente do aprendiz ou iniciante. O veterano, ou gênio, observa o tabuleiro como estratégia, e o outro o vê como a jogada em si, e algumas relações.
No mais gostei da resenha, como sempre, e aproveito para deixar um bom dia. Abraços.

Anônimo disse...

Prezado Aguinaldo,
só hoje li seu comentário sobre 'A leitura e seus lugares'.
Agradeço muito a leitura e a gentileza.
Abraços,
Júlio