Durante o Bloomsday deste ano, cá em Santa Maria, no memorável encontro de don Caetano Galindo e don Lawrence Flôres, dois grandes tradutores e professores lá na CESMA, eis que ambos falaram com entusiasmo do poeta e também tradutor Paulo Henriques Britto. Eu tenho um ouvido manco para poesia mas encontrei nos meus guardados este livro de contos dele. Li agora e fiquei surpreendido. Como estes contos são bons. Fiquei igualmente surpreendido ao saber que quase todos foram produzidos originalmente no início dos anos 1970 e depois burilados e retrabalhados por anos (nos intervalos entre as traduções, a produção de poesia e a docência, certamente). São nove histórias, a menor, que dá nome ao livro, com quatro páginas (é um conto que funciona como um coro, justificando o que virá a seguir) e a maior com quarenta e cinco, o conto "os sonetos negros", uma poderosa narrativa escrita na forma de diário, que fala do mundo complexo (em que se misturam altas ambições e constatações bizarras) daqueles que se aventuram em um projeto de pesquisa com fins de produzir uma tese (sempre lembro de don Fernando Landgraf falando da falta de um bom livro onde as paixões e maluquices do mundo acadêmico deveriam ser ser registradas). Os demais contos são igualmente muito bons. São histórias onde os narradores estão em situações difíceis, em que têm tomar decisões não habituais. Em uma um sujeito que é acordado por uma voz, mas não se atreve a abrir a porta para receber o suposto amigo; noutra um sujeito é convidado para uma ceia de Natal, e tem de suportar por toda a noite, uma pessoa que ele mal conhece; em uma terceira o narrador fala das dificuldades de convivência com seu colega de quarto e uma pequena planta, que o incomoda; em outra um rapaz passa uns dias terríveis com parentes afastados, que aparentemente têm prazer em humilhá-lo. Estas quatro histórias (respectivamente "Uma visita", "Coisa de família", "O companheiro de quarto" e "O primo") foram as que mais gostei. Além delas há "O 921", um conto kafkiano, de um sujeito que se perde pela periferia de uma grande cidade, sem entender exatamente as atribulações pelo qual está passando; "Uma doença", onde Henriques Britto fala de um sujeito preso a uma cama, de onde faz a cartografia as paredes de seu quarto; "Um criminoso", onde somos apresentados a um sujeito, incomodado com o ruído de uma festa em seu prédio, faz o censo do que vê pela janela. As histórias são coloquiais, os diálogos bem construídos, nada soa artificial. Um dia destes vou ler seus livros de poesias, mas que cousa boa ler contos tão bons assim. [início 16/07/2011 - fim 24/07/2011]
"Paraísos artificiais", Paulo Henriques Britto, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2004), brochura 14x21 cm, 127 págs. ISBN: 978-85-359-0591-5
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