"A crônica dos Wapshot" é o primeiro romance de John Cheever. Foi premiado com o National Book Awards de 1958. Fazia tempo que não lia um livro tão divertido. Todavia há algo de perverso neste divertimento. John Cheever parece zombar de seus personagens, apresentando-os ao leitor sempre com sarcasmo. Cheever conduz sua narrativa num ritmo frenético, acumulando histórias e pequenos causos que se encaixam num crítico e complexo panorama da decadência de uma família da região nordeste dos Estados Unidos. O mais patético dos curiosos personagens de Cheever é Leander Wapshot. Ele comanda um pequeno navio de cabotagem, organizando passeios e algum transporte comercial pelo delta de uma região que está longe das rotas de navegação importantes e economicamente viáveis. Leander e sua família são dependentes economicamente de uma prima sua, uma velha senhora chamada Honora. Leander espera fazer de seus filhos, Moses e Coverly, herdeiros dela. O livro é organizado em três grandes blocos de histórias. A primeira parte é basicamente linear, onde acompanhamos a genealogia e o cotidiano dos Wapshot até a saída algo abrupta dos irmãos Moses e Coverly da cidade onde se passa a história (também ela uma espécie de personagem, St. Botolphs). Na segunda parte Cheever fragmenta sua narrativa, alternando capítulos com as memórias de juventude (algo inventadas) de Leander e o cotidiano dos irmãos em Nova Iorque e em Washington. Difícil dizer qual dos dois é mais inepto e desafortunado, tanto na vida profissional quanto em seus envolvimentos afetivos. Na terceira parte do livro acompanhamos a vida conjugal de Moses e Coverly com duas mulheres tão amalucadas quanto eles. Ficamos sabendo também que Leander sobreviveu ao naufrágio de seu barco (provocado por sua própria inaptidão) e que Sarah, sua mulher, montou um promissor negócio de presentes e turismo (usando os destroços do navio de seu marido) deixando-o bastante contrariado. O nascimento dos filhos de Moses e Coverly os reconcilia com a matriarca Honora, a única que parece ter dinheiro na família. Cheever reserva duas boas passagens cômicas para o final, uma no funeral de Leander e outra na descoberta dos últimos apontamentos de seu livro de memórias. Como sou dado a fazer associações amalucadas entre tudo o que leio não me furto de registrar que "A crônica dos Wapshot" parece ser uma versão arquetípica do "Cem anos de solidão" de Gabriel Garcia Márquez. Claro, Cheever é bastante realista e não contamina seu livro com surrealismos e invenções mágicas, nem multiplica seus personagens à exaustão, como faz Garcia Márquez, mas o sentido trágico da narrativa, a ironia e o humor, a espiral de decadência, a repetição dos erros cometidos pelos personagens e o estoicismo com que eles aceitam suas misérias, parece aproximar de alguma forma estes dois livros. Seguro que vou procurar mais livros desde sujeito. [início 08/03/2012 - fim 21/03/2012]
"A crônica dos Wapshot", John Cheever,
tradução de Alexandre Barbosa de Souza, São Paulo: editora Companhia das Letras (Companhia de Bolso), 1a.
edição (2011), brochura 12,5x18 cm, 309 págs. ISBN: 978-85-359-1941-7 [edição original: The Wapshot Chronicle (New York: Harper) 1957]
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