quinta-feira, 24 de julho de 2014

história concisa da rússia

Na série de livros "História das Nações", editada originalmente pela Cambridge University Press, especialistas apresentam os fundamentos de um assunto equilibrando boa dose de erudição com a necessária capacidade de síntese. Li recentemente o "História concisa da Alemanha" e de fato aprendi um bocado. Semanas atrás, intrigado com as motivações conflitantes utilizadas por diversos jornalistas (dentre outros palpiteiros) para explicar a anexação da península da Criméia à Rússia (desdobramento de uma complexa crise entre ucranianos e russos que obviamente está longe de ser superada), resolvi enfrentar esse "História concisa da Rússia". Paul Bushkovitch é um reconhecido especialista no assunto e professor na Universidade de Yale. Trata-se de um volume mais extenso que aquele dedicado a história da Alemanha, mas lemos o texto sem sobressaltos. É difícil conseguir parar de ler antes de ao menos terminar mais um capítulo, como se tivéssemos nas mãos um folhetim de mistério ou aventura. A linguagem é realmente ágil, direta. Os fatos e as interpretações se acumulam em uma escala absurda, mas o autor alcança oferecer ao leitor associações e ferramentas teóricas para o bom entendimento do que está sendo apresentado. Gostei muito da forma com que Bushkovitch intercala entre os capítulos (que seguem a ordem cronológica da história russa) seções específicas sobre artes e ciência, cultura e economia, etnografia e política, curtas biografias e geografia. O livro parte da Rus de Kiev (a antecessora da Rússia moderna) no século X, segue vertiginoso até os tempos dos grandes Tsares e imperatrizes, as guerras e a consolidação do grande Império Russo no século XIX, descreve detalhadamente a criação da União Soviética, as grandes guerras mundiais, o utópico sonho socialista, os tempos de Guerra Fria e termina num epílogo extenso que trata do colapso da URSS e do ressurgimento da Rússia como Estado, dos anos da Perestroika à ascensão de Vladimir Putim. Não é um livro que se preste a manipulação ideológica: o mais entusiasta dos déspotas (e há tantas viúvas do stalinismo nesse Brasil em que vivemos) encontrará nele descrições assombrosas dos crimes dos tempos de Stalin; o mais feroz dos reacionários (igualmente abundantes no Brasil) reconhecerá no livro as inegáveis contribuições russas em diversas áreas do conhecimento. O livro inclui quase trinta páginas com referências bibliográficas comentadas. Bushkovitch afirma logo no início de seu livro que para muitos a Rússia tornou-se mais que um lugar específico, uma língua e cultura ou uma história concreta, mas sim uma idéia e um modelo. Ao encerrar ele alerta o leitor sobre a impossibilidade de sabermos exatamente que tipo de metamorfose social a Rússia experimenta hoje, pergunta-se sobre o destino do potencial humano criado e vivido num milênio de história. Termino com uma nota sentimental: Voltar a ler algo sobre a Rússia fez-me lembrar dos anos 1980, quando meu eu ainda ligeiramente adolescente lia entusiasmado os volumes da "História da Revolução Russa" (de ninguém menos que o Trotsky), debatia com os colegas do CEFISMA as passagens mais áridas de "O Capital" (do Marx) e me convertia a boa literatura com o "Rumo à estação Finlândia" (do Edmund Wilson). Lembrei-me também de uma piada (que Bushkovitch incluí em seu livro) em que dizíamos algo agressivos, algo irônicos, algo trágicos, que a União Soviética era o único país do mundo com um passado imprevisível. Hoje, como já sei que o materialismo histórico é mesmo uma sonora bobagem, sei que também o futuro é imprevisível.
[início: 10/06/2014 - fim: 18/07/2014]
"História Concisa da Rússia", Paul Buschkovitch, tradução de José Ignácio Coelho Mendes Neto, São Paulo: Edipro (série história das nações), 1a. edição (2014), brochura 16x22,5 cm., 504 págs., ISBN: 978-85-7283-852-8 [edição original: A Concise History of Russia (London: Cambridge University Press) 2011]

Um comentário:

Igor Cavalli disse...

base científica de que o materialismo histórico é bobagem?