Na série de livros "História das Nações", editada originalmente pela Cambridge University Press, especialistas apresentam os fundamentos de um assunto equilibrando boa dose de erudição com a necessária capacidade de síntese. Li recentemente o "História concisa da Alemanha" e de fato aprendi um bocado. Semanas atrás, intrigado com as motivações conflitantes utilizadas por diversos jornalistas (dentre outros palpiteiros) para explicar a anexação da península da Criméia à Rússia (desdobramento de uma complexa crise entre ucranianos e russos que obviamente está longe de ser superada), resolvi enfrentar esse "História concisa da Rússia". Paul Bushkovitch é um reconhecido especialista no assunto e professor na Universidade de Yale. Trata-se de um volume mais extenso que aquele dedicado a história da Alemanha, mas lemos o texto sem sobressaltos. É difícil conseguir parar de ler antes de ao menos terminar mais um capítulo, como se tivéssemos nas mãos um folhetim de mistério ou aventura. A linguagem é realmente ágil, direta. Os fatos e as interpretações se acumulam em uma escala absurda, mas o autor alcança oferecer ao leitor associações e ferramentas teóricas para o bom entendimento do que está sendo apresentado. Gostei muito da forma com que Bushkovitch intercala entre os capítulos (que seguem a ordem cronológica da história russa) seções específicas sobre artes e ciência, cultura e economia, etnografia e política, curtas biografias e geografia. O livro parte da Rus de Kiev (a antecessora da Rússia moderna) no século X, segue vertiginoso até os tempos dos grandes Tsares e imperatrizes, as guerras e a consolidação do grande Império Russo no século XIX, descreve detalhadamente a criação da União Soviética, as grandes guerras mundiais, o utópico sonho socialista, os tempos de Guerra Fria e termina num epílogo extenso que trata do colapso da URSS e do ressurgimento da Rússia como Estado, dos anos da Perestroika à ascensão de Vladimir Putim. Não é um livro que se preste a manipulação ideológica: o mais entusiasta dos déspotas (e há tantas viúvas do stalinismo nesse Brasil em que vivemos) encontrará nele descrições assombrosas dos crimes dos tempos de Stalin; o mais feroz dos reacionários (igualmente abundantes no Brasil) reconhecerá no livro as inegáveis contribuições russas em diversas áreas do conhecimento. O livro inclui quase trinta páginas com referências bibliográficas comentadas. Bushkovitch afirma logo no início de seu livro que para muitos a Rússia tornou-se mais que um lugar específico, uma língua e cultura ou uma história concreta, mas sim uma idéia e um modelo. Ao encerrar ele alerta o leitor sobre a impossibilidade de sabermos exatamente que tipo de metamorfose social a Rússia experimenta hoje, pergunta-se sobre o destino do potencial humano criado e vivido num milênio de história. Termino com uma nota sentimental: Voltar a ler algo sobre a Rússia fez-me lembrar dos anos 1980, quando meu eu ainda ligeiramente adolescente lia entusiasmado os volumes da "História da Revolução Russa" (de ninguém menos que o Trotsky), debatia com os colegas do CEFISMA as passagens mais áridas de "O Capital" (do Marx) e me convertia a boa literatura com o "Rumo à estação Finlândia" (do Edmund Wilson). Lembrei-me também de uma piada (que Bushkovitch incluí em seu livro) em que dizíamos algo agressivos, algo irônicos, algo trágicos, que a União Soviética era o único país do mundo com um passado imprevisível. Hoje, como já sei que o materialismo histórico é mesmo uma sonora bobagem, sei que também o futuro é imprevisível.
[início: 10/06/2014 - fim: 18/07/2014]
"História Concisa da Rússia", Paul Buschkovitch, tradução de José Ignácio Coelho Mendes Neto, São Paulo: Edipro (série história das nações), 1a.
edição (2014), brochura 16x22,5 cm., 504 págs., ISBN: 978-85-7283-852-8
[edição original: A Concise History of Russia (London: Cambridge University Press) 2011]
Um comentário:
base científica de que o materialismo histórico é bobagem?
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