"Da estupidez" é um texto de Robert Musil que foi originalmente preparado para leitura em uma reunião dos membros da confederação do trabalho austríaca (Werkbund), ocorrida em Viena, no início de março de 1937. Trata-se de um reflexão filosófica, que ele afirma ainda ser preliminar, mas que tem seu valor. Diz também que a maioria dos filósofos e intelectuais de seu tempo sempre preferem definir a sabedoria antes de entender a estupidez (que não é necessariamente antônimo de sabedoria). Vamos a ver. Ele primeiramente deixa claro que não se pode transferir os fenômenos que afetam a psicologia real dos indivíduos para as sociedades, todavia entende que em muitos aspectos existe sim uma "imitação social das fraquezas mentais", e que as sociedades podem ficar doentes e incapacitadas por contaminação de práticas estúpidas individuais. Ele distingue dois tipos básicos de estupidez. Uma é a estupidez honesta (constitucional, ininteligente, incapacitante, talvez honrada, associada a limitações intrínsecas de um indivíduo). A outra é a estupidez inteligente (superior, elevada, funcional, errática, pretensiosa, resultado da abdicação voluntária do pensamento crítico). Essa última é uma fraqueza da inteligência em relação a um objeto particular, é uma doença da cultura, é algo que nunca produz uma idéia significativa e válida. Para retirar-se dos perigos dessa estupidez ele advoga que a pior situação é iludir-se com regras simples como : "Abstém-te de julgar e decidir cada vez que te faltem informações", pois assim agindo ficaríamos todos imobilizados, o mundo se deteria (e os maus governantes continuariam a nos oprimir, por inércia). Como nosso saber e poder são limitados podemos sim emitir juízos prematuros, mas devemos corrigir os defeitos destes juízos assim que for possível. Musil acredita na maior eficiência do preceito: "Age tão bem como possas e tão mal como tem de ser, permanecendo consciente das margens de erro de tua ação!". Agindo assim escapamos da escravidão mental a que nos submetemos quando aceitamos idéías e reflexões alheias, quando toleramos a mentira e a opressão política de nosso tempo. Ele começa a palestra provocativo, afirmando que a estupidez se assemelha tanto com o progresso, com o talento e com o aperfeiçoamento das coisas que quase todos aprendemos que a atitude mais inteligente que podemos adotar neste mundo é a de nos fazermos notar o menos possível, a de passarmos por estúpidos. E termina a palestra irônico, confessando ser incapaz de ir mais longe, pois se desse um passo mais, um passo em frente, entraria no reino da sabedoria, para ele uma região sempre deserdada e evitada pelo homem. Vivendo em um país absurdo e doente como o Brasil não me surpreendo que as velhas palavras de Musil ainda soem tão apropriadas.
[início: 17/10/2014 - fim: 26/10/2014]
"Da estupidez", Robert Musil, tradução de Manuel Alberto, Lisboa: Relógio D'Água Editores (coleção Sophia), 1a. edição (1994), brochura 14x21 cm., 48 págs., ISBN: 978-85-972-708-229-2 [edição original: Über die Dummheit (Wien: Werkbund) 1937]
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