domingo, 12 de julho de 2015

lendo j. m. coetzee

Na introdução de "Lendo J. M. Coetzee" os organizadores lembram que Coetzee não é exatamente um autor muito conhecido, lido e discutido no Brasil (apesar de já ter ganho prêmios literários importantes - como o Nobel, em 2003, e ter praticamente toda sua obra já traduzida para o português). A ambição explícita do livro é modificar esse quadro. Kathrin Rosenfield e Lawrence Pereira foram muito felizes na seleção que fizeram dos ensaios reunidos no livro. Trata-se de um conjunto robusto e consistente que abrange quase a totalidade da produção ficcional de Coetzee. O tom dos ensaios é quase sempre sóbrio, analítico; a linguagem sofisticada e as ponderações técnicas. Felizmente tais propostas de leitura e reflexão não chegam a ser herméticas ou impenetráveis demais para o leitor médio, aquele não exatamente familiarizado com o jargão acadêmico. Isso torna esse livro realmente fundamental. Cabe registrar que mesmo um leitor que não tenha lido todos os romances de Coetzee alcançará acompanhar bem os textos (muito embora terá mais proveito caso tenha lido sobretudo "Desonra" ("Disgrace", no original), "Diário de um ano ruim" ("Diary of a bad year") e "Cenas da vida provinciana" ("Scenes from provincial life: Boyhood, Youth, Summertime"), que são as narrativas mais detalhadamente analisadas no volume. Encontramos nele quinze ensaios e uma entrevista. Cinco textos foram produzidos originalmente em inglês e traduzidos (Adriane Veras, Rosalia Garcia, Carlos Roberto Ludwig, Enéias Tavares, Sandra Sirangelo Maggio e Elaine Barros Indrusiak assinam as traduções). Sete autores digressam majoritariamente sobre "Desonra", texto de 1999. Cada um deles o aborda de uma forma distinta: Kathrin Rosenfield faz uma análise fina da trama do livro; Ian Glenn pergunta-se sobre o quão perene o livro pode ser; Lawrence Pereira discute as injunções histórico-políticas que se seguiram ao lançamento do livro (e utiliza muito bem o seminal "Giving offense: Essays on censorship", de 1996); Rejane de Oliveira debruça-se mais sobre técnica literária e o compromisso ético do autor; André Klaudat em seus aspectos morais e éticos; Maria Esther Maciel nos limites do humano ali propostos (e de resto também nas demais obras de Coetzee); José Ghirardi em aspectos derivados da teoria do direito discutidos no livro. Os demais concentram-se em outros textos: Kim Worthington e James Meffan analisam detalhadamente "Foe", romance publicado em 1986; Gunter Axt  e Lucia Helena focam sobretudo "Diário de um ano ruim", de 2007; Maria da Glória Bordini a trilogia quase-biográfica "Cenas da vida provinciana", publicada originalmente em 1997, 2002 e 2009; Adriano Schwartz faz uma síntese de três romances ("Diário de um ano ruim", "Homem lento", "Elizabeth Costello"); Derek Attridge apresenta, num excelente ensaio comparativo, os romances mais representativos do engajamento de Coetzee à pauta racial sul-africana e discute o impacto deles na psiquê dos leitores à época do lançamento (ele destaca o romance "A idade do ferro", de 1990, todavia há digressões poderosas sobre as escolhas e o desenvolvimento da voz autoral de Coetzee ao longo do tempo); David Attwell e Elleke Boehmer, dois reconhecidos especialistas, partilham uma entrevista onde discutem "Doubling the point", um texto de David Attwell dos anos 1990 que consegue captar algo da "persona" de Coetzee como talvez nenhum texto posterior alcançou fazer. Numa curta introdução assinada pelos organizados o leitor dá-se conta da proposta de cada ensaio. O livro termina com curtas biografias de cada autor. Não há como negar a oportunidade desse lançamento. Eu, o menor dos anões dessa província, imagino as possibilidades de transformar "Lendo J.M. Coetzee" em um "The EDUFSM Companion to J.M. Coetzee". Para tanto pediria aos organizadores quatro ou cinco textos mais: uns que dessem conta da produção inicial de Coetzee ("Dusklands"; "In the heart of the country"; "Waiting the barbarians"; "Life and times of Michal K.", "The master of Petersburg"), lateralmente citados nos ensaios (ou mesmo neles ignorados); outros que citassem e/ou comentassem os soberbos ensaios literários de Coetzee reunidos em "Stranger Shores" e "Inner Workings"; e outros ainda que discutissem algo da produção mais recente dele (o romance "The childhood of Jesus", as cartas de "Here and Now" trocadas com Paul Auster; e os contos de "Three stories"). Vamos a ver. Cumprimentos a Kathrin e ao Lawrence por reunirem textos tão bons assim.
[início: 06/05/2015 - fim: 11/07/2015]
"Lendo J. M. Coetzee", Kathrin H. Rosenfield, Lawrence Flores Pereira (organizadores), textos de Kathrin H. Rosenfield, Lawrence Flores Pereira, Rejane Pivetta de Oliveira, André Klaudat, Maria Esther Maciel, José Garcez Ghirardi, Kim Worthington, James Meffan, Gunter Axt, Lúcia Helena, Maria da Glória Bordini, Adriano Schwartz, Derek Attridge, David Attwell e Elleke Boehmer, traduções de Adriane Veras, Rosalia Garcia, Carlos Roberto Ludwig, Enéias Tavares, Sandra Sirangelo Maggio, Elaine Barros Indrusiak, Santa Maria: editora da UFSM, 1a. edição (2015), brochura 16x23 cm., 320 págs., ISBN: 978-85-7391-225-8

2 comentários:

Marcia Cogitare disse...

Olá, através da sua resenha no skoob vim parar aqui.

E amei seu texto sobre este livro. Coetzee sempre nos presenteia com coisas muito interessantes.

Acabei de adquirir o ebook. Logo o lerei.

Hug

Aguinaldo Medici Severino disse...

legal. conheço os autores e fiquei mesmo entusiasmado com o texto deles. bom divertimento