No final de julho senti um friúme ao saber que o Jorge Mautner tinha sido hospitalizado por conta de um infarto. Já fazia um par de semanas que lia devagar um livro que três jovens organizaram para celebrar os 75 anos dele, um livro onde estão reunidas praticamente todas as letras de suas composições e também muito material inédito, uma miscelânea dos diabos. Segundo os organizadores (João Paulo Reys, Maria Borba e Natasha Felizi) o arquivo pessoal de Mautner foi vasculhado durante anos. Lá eles garimparam anotações feitas em cadernos, margens de jornal, cadernetas de telefone e no verso de notas fiscais; livros inteiros prontos; narrativas ficcionais inacabadas, esboços de projetos políticos e reflexões filosóficas; pinturas à óleo, desenhos à lápis e colagens. São aproximadamente 150 letras, só umas poucas inéditas. Quase todas foram musicadas por ele mesmo, mas há também canções musicadas por Nélson Jacobina, Gilberto Gil, Moraes Moreira, Jards Macalé, Caetano Veloso e José Miguel Wisnik, entre vários outros. As composições foram gravadas por ele, entre 1970 e 2014, e também por dezenas de outros intérpretes. Ao ler o livro várias vezes usei o YouTube ou ao Spotify para conferir a música dos poemas e tentar lembrar algo delas. Confesso que não conhecia a maioria das canções, mas a poesia delas se defende sozinha (as musas da poesia e da música eram boas irmãs, ensinaram os gregos). O livro inclui também nove poemas não musicados; um projeto de musical (infanto-juvenil); um proto programa político partidário de seu PRK (Partido Revolucionário do Kaos); uma proposta de constituinte cultural para o Brasil; reflexões mais abstratas, filosóficas; registros da memória, da história de sua família. Trata-se de um sujeito verdadeiramente original, multitalentoso, que sempre segue seu instinto artístico. Grande sujeito. Lembro de uma intoxicada noite na FAU (a faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), lá no início dos anos 1980, em que fizeram um show que não terminava nunca, para sorte de uma legião de fãs, ele e seu parceiro mais frequente naquela época, o Nélson Jacobina (que morreu há pouco mais de quatro anos). Longa e memorável noite. Cabe dizer que o Mautner se recuperou do infarto, barganhou mais tempo da morte, cousa boa, e que está a prometer livro e revelações quase messiânicas. Vamos a ver. Evoé, Mautner, evoé.
[início: 23/06/2016 - fim: 17/09/2016]
"Kaos Total", Jorge Mautner, organização de João Paulo Reys, Maria Borba, Natasha Felizi, São Paulo: Editora Schwarcz (Companhia das Letras), 1a. edição (2016), brochura 14x21 cm., 414 págs., ISBN: 978-85-359-2673-6
Nenhum comentário:
Postar um comentário