Lucas Petersen, jovem jornalista argentino, dedicou-se a escrever
uma biografia completa e detalhada de José Salas Subirat, o primeiro
tradutor do Ulysses para o espanhol. Nas palavras do próprio Salas Subirat, ainda em 1928: "Una autobiografia no tiene ninguna importancia. Si mi biografía la hiciera otro me gustaría leerla: es posible que supiera algo con respecto a mí.". "El tradutor del Ulises" tem quatrocentas páginas, só um quarto delas, pouco mais que cem, dedicadas a tradução do Ulysses, de James Joyce. Muito provavelmente ninguém se daria ao trabalho de escrever sobre Salas Subirat caso ele não tivesse se dedicado a traduzir o Ulysses. Não que sua vida não tivesse sido movimentada, cheia de passagens mirabolantes (o sujeito sobreviveu até a um pouso forçado de um avião, numa praia brasileira, nos anos 1950). De fato, como não se interessar por um autodidata; escritor bissexto de ficção (que chamou a atenção de Mario de Andrade, ainda no início dos anos 1920); frequentador excêntrico de salões literários; diligente vendedor de seguros de vida; empresário talentoso; tradutor; editor; estudioso de filosofia; melômano e crítico musical; autor de manuais de auto-ajuda. Petersen nos apresenta um homem complexo, multitalentoso, que tem facilidade para aprender línguas e é respeitado por sua capacidade empresarial. A crítica especializada costuma reputar muitos defeitos a tradução de Salas Subirat (Borges dizia que era péssima, "pero todo el mundo aplaudía aquella tontería"). Mas é fato que ele a produziu em 1945, vinte anos após a publicação original, sem acesso algum a outras traduções e ao enorme aparato técnico que hoje pode ser consultado rapidamente pela internet. Cabe registrar que a primeira tradução para o português só foi publicada em 1966, por Antônio Houaiss. Mesmo a segunda edição de Salas Subirat, revista e publicada em 1952, não pode ser considerada definitiva, pois ele interrompeu-a por conta da grave doença de uma de suas filhas (uma terceira versão, do final dos anos 1950, perdeu-se naquele acidente de avião que citei acima). De qualquer forma Petersen enfatiza as soluções criativas da tradução de Salas Subirat. Aparentemente sua primeira tradução foi produzida mais para consumo próprio, para que a trama e o encadeamento de sucessos do livro se desvelasse, enquanto que na segunda versão, já mais seguro, arrisca muito mais, alcançando emular em espanhol a musicalidade, a fusão de palavras, o fluxo de consciência das personagens e os jogos verbais propostos por Joyce (e eliminar os defeitos apontados pela crítica, sobretudo os apontados por Borges). A edição é muito bem cuidada. Inclui um bibliografia completa de Salas Subirat; as dezenas de fontes bibliográficas utilizadas por Petersen, reproduções fotográficas e fac-símiles do exemplar que Salas Subirat utilizou para sua tradução e um bom índice onomástico. Um leitor que domine o espanhol tem hoje a disposição três outras traduções do Ulysses, certamente devedoras dos muitos caminhos explorados por Salas Subirat: a de José María Valverde (de 1976), a de Francisco García Tortosa e María Luisa Venegas (de 1999) e de Marcelo Zabaloy e Edgardo Russo (de 2015). Bom divertimento.
[início: 02/10/2016 - fim: 16/10/2016]
"El traductor del Ulises: Salas Subirat. La desconocida historia del argentino que tradujo la obra maestra de Joyce", Lucas Petersen, Buenos Aires: Sudamericana / Penguin Random House Grupo Editorial, 1a edição (2016), brochura 15,5x23 cm., 398 págs., ISBN: 978-950-07-5613-6
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