quarta-feira, 23 de setembro de 2020

relatos póstumos de um suicida

Segundo o próprio Cassionei Niches Petry, seus livros "Arranhões e outras feridas", de 2012, "Os óculos de Paula", de 2014, "Cacos e outros pedaços", de 2017, e agora "Relatos póstumos de um suicida", formam um tetralogia, sua tetralogia do fracasso. Nesta sua proposta mais recente ele oferece ao leitor 44 relatos curtos, alguns que podem ser lidos como contos independentes, mas eu vou classificar o volume como novela (problema meu). O leitor é apresentado a um jogo, em que narrador e personagens trocam de papel em algum momento, invertem o protagonismo das histórias. O narrador é um professor que sonha eliminar todos aqueles que detesta, todos aqueles que lhe fazem mal, vive suas misérias, sua rotina, e é assombrado por seus fantasmas. Uma das personagens do livro, apresentada inicialmente como uma de suas ex-alunas, que sonha em aprender a escrever, logo passa a dominar as ações da trama. O narrador tenta convencer o leitor de sua particular leitura da realidade, sobretudo sua idealização do ofício de escrever e de se expressar-se, mas vamos combinar, no mundo real só os neófitos não percebem que no mundo do livro, no mundo da literatura ou do mercado editorial, não há lugar para ingenuidade, bom mocismo ou amor incondicional ao prazer de ler um livro. A ideia e/ou necessidade do suicídio paira sobre todo o livro. Outros temas interessantes também são igualmente perenes: a função do sexo pago na sociedade e, mais que tudo, a armadilha do ensino fundamental e médio (onde ninguém educa de fato, onde todos os atores - alunos, pais, professores e gestores - apenas engana e se esconde ou tergiversa com a hipocrisia da coisa). Descrever mais sobre a trama roubaria do leitor boa parte do prazer de ler o livro. Claro, é um jogo literário. Cassionei explora o sarcasmo de Enrique Vila-Matas, que em muitos de seus livros faz uso recorrente da ideia de "literatura portátil", a jocosa teoria de que na literatura, algo acidental, de um erro de interpretação qualquer, força indivíduos a associar aos grandes acontecimentos do mundo aspectos banais de suas próprias vidas. Enfim, interessante. Mas eu acho que o Cassionei exagera um tanto na tecla do fracasso, da inevitabilidade da ruína no ofício de escrever, força o leitor a ter pena de sua escolha. Na verdade ninguém, nenhum leitor, está nem aí para os medos e fantasmas, ego ou superego, ou sonhos, de qualquer escritor. Assim como Vila-Matas, Cassionei navega entre ambiguidades e ironias portáteis para enfeitiçar o leitor. Divertido, afinal de contas. Vale! 
Registro #1571 (novela #78)
[início: 17/08/2020 - fim: 18/08/2020] 
"Relatos póstumos de um suicida", Cassionei Niches Petry, Porto Alegre: Class, 1a. edição (2020), brochura 14x21 cm., 82 págs., ISBN: 978-65-990301-1-6

Nenhum comentário: