Este curto livrinho de contos é muito bom de se ler. Comprei no mesmo dia em que vi uma exposição de fotografias de Moçambique na CESMA. A exposição registrava um tanto o quanto a AIDS têm prejudicado este país que assim como o nosso foi colonizado por Portugal, mas teve o azar de continuar colônia por quase 150 anos mais do que nós. Quando portugal saiu de Moçambique em 1975 levou consigo mais do que as riquezas que explorou por 500 anos. Um amigo meu esteve lá, dando aulas de português, nos anos 80 e contava aborrecido o quanto era difícil implementar as atividades mais cotidianas, como escovar os dentes, preparar um café da manhã, abrir uma lata de ervilhas, telefonar para alguém. Mas vamos ao livrinho de contos. Trata-se de um exercício de fixação de contos e mitos locais promovidos por padres Salesianos que mantêm uma escola em Moçambique desde 1975. Os alunos de nível médio não são jovens, têm entre 19 e 27 anos. O analfabetismo é altíssimo por lá, mais do que 60% da população é ágrafa mesmo em Ndau, a língua original deste povo. Os contos são simples, muito heterogêneos, mas têm aquela força intrínsica das mitologias mais antigas. Se por força de uma hecatombe nuclear quase tudo o que temos registrado da cultura universal desaparecesse e uma espécie sobrevivente encontrasse fragmentos deste "Nganos" nos escombros de minha biblioteca, certamente o colocaria na mesma prateleira onde teria lugar também as Metamorfoses de Ovídio, ou as Mil e Uma Noites, por exemplo. São histórias curtas que devem ter sobrevivido graças ao talento, invenção e imaginação de homens e mulheres, de avós e netos, de cantadores à beira de fogueiras espalhadas por este país. Difícil não torcer o nariz para o glorioso Portugal e não lamentar a sorte deste povo. Longa vida aos Ndaus.
Nganos: Contos Tradicionais Moçambicanos, Alexsandro dos Santos Machado, Domingos Pedro Zina Faz-Ver, Letícia Duarte (organizadores), Editora La Salle, 2a. edição (2007) ISBN: 85-89344-53-3
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