sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

perdidos

Apresentado com uma história das grandes obras que nenhum leitor jamais lerá "O livro dos livros perdidos" de Stuart Kelly é um catálogo com textos curtos sobre autores cujas obras se perderam ou sobreviveram apenas fragmentariamente. A escolha dos textos e dos autores é arbritária. O próprio autor confessa que está focado na tradição ocidental da literatura e que há miríades de obras em todos os cantos do planeta (em muitas e variadas línguas, conhecidas e desconhecidas) que foram perdidas igualmente. Não que a seleção apresentada por ele seja ruim, mas uma obra com a pretensão de identificar o que não-existe, ao contrário de catalogar o que existe, está previamente sufocada pela vastidão e incompletude. Os livros citados por ele não são apenas os queimados, rasgados, destruídos a marteladas, mas também aqueles simplesmente interrompidos ou abandonados por seus autores. As quase setenta escolhas de Kelly são bastante saborosas. Eu não desconhecia que apenas fração das obras dos autores clássicos gregos e romanos sobreviveram até nosso século XXI, mas não tinha idéia de que esta fração era tão pequena (em geral um décimo ou menos da produção de um grande autor sobrevive, ficamos sabendo). Há autores menos conhecidos de quem sabemos apenas o título de um ou outro livro, de uma passagem obscura de um poema, de uma citação amarga ou entusiasta feita geralmente fora de um contexto adequado. Desde Homero e passando cronologiamente a Eurípides, Ovídio, Dante, Racine, Ésquilo, Shakespeare, Dickens, Gogol, Chaucer, Carlyle, Pound, Eliot, Burroughs, Plath, Hemingway, dezenas e dezenas de poemas, dramas, ensaios e romances são catalogados. Nada é perene sobre o sol parece nos lembrar o autor. A edição é bem cuidada. Há um índice bastante útil e uma curta conclusão onde somos lembrados que nem a tecnologia atual pode previnir o que quer que seja da segura destruição em um futuro remoto. O acaso parece ser o guia ex-machina que traz este legado do passado a cada um de nós. Isto é a vida, e dela não se ri. Todo aquele que já perdeu um texto no computador por conta de um acidente qualquer ou mesmo aquele que tem pretenções literárias (e sonhos de imortalidade) vai gostar de ler este livro. Acho que é um livro bom de se ler pois diz muito sobre o que foi perdido mas também nos apresenta o que vale a pena ler do material remanescente de cada um dos sujeitos que teve a sorte de sobreviver a fúria inexorável e implacável do tempo.
"O livro dos livros perdidos", Stuart Kelly, tradução de Ana Maria Mandin, editora Record, 1a. edição (2007) ISBN: 978-85-01-0752-4

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