Escrever sobre Philip Roth é sempre uma experiência gratificante. Um sujeito que consegue de forma tão direta, mas elegante, atingir nosso estômago e nosso cérebro simultaneamente é sempre algo de se admirar. Este operação Shylock é mesmo um livro bom. Comprei em uma bienal do livro paulista, uma edição bela com guardas e sobrecapa de plástico muito bonita, mas só agora coube-me lê-lo. Publicado quando o autor já estava com 60 anos, senhor de todas as técnicas literárias e com o corpo repleto de experiências limite, eis que Roth resolve discutir um tanto mais profundamente o tema mais sagrado de todos para um judeu: a existência em si do estado de Israel. Roth não poupa substantivos em sua vibrante e vertiginosa análise do judaísmo e do sionismo. Desta feita ele usa a figura do duplo, do doppleganger, símile que sempre foi muito usado para fins literários. Roth, um escritor tranquilo após passar pelas confusões de um ataque cardíaco, do diagnóstico de um possível câncer, de uma separação difícil, descobre que um outro Roth está em Israel defendendo uma nova diáspora judaica, uma diáspora as avessas, de forma que todos os judeus europeus que emigraram para a palestina após a segunda grande guerra deveriam voltar para seus países de origem (alemanha, aústria, polônia, ucrânica, rússia, etc e tal). Com este mote e utilizando uma técnica onde a própria obra parece ganhar autonomia física em relação ao autor ele discute à exaustão seu leque de temas habituais: sexo, câncer, judaísmo, fama, psicanálise. Ele explicita de um jeito radical sua técnica narrativa e isto em si já é um truque literário difícil de ser emulado. Este ano é mesmo o ano da metalinguagem e dos livros onde a metalinguagem é norma (Reparação, Patrimônio, Mentiras, Montalbán). Há trechos do livros que são factuais: uma conversa com um escritor israelense e a descrição do julgamento de um antigo colaborador dos nazistas capturado nos Estados Unidos. As versões se cruzam, como tiros em um território ocupado. A memória do homens se confunde com os fatos. No livro Roth torna-se progressivamente mais paranóico quando o tema chega na definição do que é mesmo terrorismo de estado e na sutil diferença entre o sionismo e o semitismo. O jogo de espelhos entre autor e personagens segue até o final. Mais que polêmico o livro é profético, pois escrito no início dos anos 1990 suas reflexões não poderiam ser mais certeiras hoje, quando vemos a situação da Palestina ainda pior e mais incerta do que naquela época. Não há mesmo remissão possível, parece dizer-nos Roth, para quem tem mantêm, permanentemente, o dedo no gatilho de uma Uzi. A condição judaica e mesmo o destino possível dos judeus e do judaísmo devem a Roth uma seminal contribuição. A curta nota ao leitor do final (uma espécie de capítulo extra) embaralha uma vez mais o jogo e deixa ao leitor a responsabilidade por uma cota honesta de reflexão. A frase que mais me marcou é dura, mas fundamental para um aprendiz de escritor: "Você não é um escritor antes de enfrentar seus fantasmas mais entranhados". Vale.
"Operação Shylock, uma confissão", Philip Roth, tradução de Marcos Santarrita, editora Companhia das Letras, 1a. edição (1994) brochura 14x21cm, 355 pág. ISBN:85-7164-372-5
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