Mais uma vez estou a escrever sobre Philip Roth e isto nunca é um problema (e é sempre uma experiência gratificante, não canso de dizer). Este é o último romance dele publicado no Brasil. Resolvi ler após o combate com o cachalote de Melville (acho que para mudar rapidamente de século, voltar a paisagem deste brutal século 21 de uma vez por todas). O livro tem como personagem principal um velho conhecido dos leitores de Roth: Nathan Zucherman. Não li nenhum destes, onde Zucherman é uma espécie de alter-ego ou porta voz das idéias de Roth, mas li os livros de uma trilogia dele ("Pastoral Americana", "Casei com um comunista" e "A marca humana"), onde Zucherman é observador e narrador dos sucessos e perturbações de outros personagens. Neste livro ele é um senhor de setenta e poucos anos que mora já há uma década longe de sua New York natal, escondido em uma cidadezinha da Nova Inglaterra, escrevendo seus livros sem acompanhar pela mídia os acontecimentos de seu tempo e praticamente sem vida social. O enredo se desenvolve nos dias anteriores a segunda eleição de George Bush. Zucherman, impotente por conta de um severo câncer de próstata e amargando uma desconfortante incontinência urinária, reencontra por acaso uma pessoa com quem conversou apenas uma vez, quase cinquenta anos antes, mas que foi amante de um escritor já morto que foi muito importante para sua própria formação, também como escritor. Este escritor mais velho (Lonoff) é parcialmente inspirado em Henry Roth (um autor que nunca li, mas por quem me interessei agora). Um jovem escritor resolve contatar Zucherman pois quer ajuda na produção de uma biografia bombástica sobre este escritor mais velho. Zucherman, fragilizado pela doença, com lapsos graves de memória, dividido entre o carinho fraternal pela antiga amante de seu antigo mestre e o interesse súbito por uma jovem garota que tem pretensões literárias e com quem ele quer trocar de apartamento por uns tempos (e voltar a viver em New York), não sabe como se livrar da atenção do jovem escritor. É um romance curioso, com muito material escrito na forma de diálogos de uma peça de teatro. Este estratagema ajuda o leitor a entender um tanto como se dá o processo de elaboração de uma história, de uma ficção, por um grande novelista. É um romance complexo, que vale sim uma leitura atenta. Nele Roth discute a política de George Bush; a vida sob a tensão do terrorismo real e o terrorismo de estado praticado pelos EUA; a fronteira entre ficção e a realidade; o papel da cultura na estabilidade emocional das pessoas; o poder devastador das limitações físicas e das doenças sobre todos nós; o sexo, o câncer e o judaísmo. Curiosamente Melville é citado neste livro. Também Conrad merece várias citações. Dois homens do mar me lembrando do Moby Dick recém lido. Aparentemente Roth disse que este é o último livro onde Zucherman aparecerá e de fato, como em uma peça, no final do livro o personagem sai de cena se desintegrando. Belo romance.
"Fantasma sai de cena", Philip Roth, tradução de Paulo Henriques Britto, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2008) brochura 14x21cm, 282 pág. ISBN: 978-85-359-1248-7
2 comentários:
Philip Roth é um grande grande escritor; dos livros que mais gostei foi "A pastoral Americana" e "Indignação".
Ó Severino eu também sou Severino.
Abraço de Portugal.
Olá xará (se usa esse termo em Portugal?). O Roth foi uma das grandes influências nos meus projetos de leitura. Baita escritor (baita é sinônimo de grande aqui no Sul do Rio Grande do Sul). Boas festas, bom 2020. Tudo de bom.
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