Moby Dick. Don Gilmar encomendou para mim e o tijolo chegou bonito à CESMA uns dias atrás. Começei ler naquele sábado mesmo. Este é o tipo de livro que já estava tempo demais na minha lista de futuridades. A bela edição da Cosac Naify fez-me resolver enfrentar o Leviatã (que é como o autor se refere as baleias em geral). A edição inclui vários mimos para o leitor: um glossário de termos náuticos, ilustrações de navio e bote baleeiros, bibliografia, um belo mapa com o trajeto do Pequod pelos mares até encontrar Moby Dick e três belos ensaios sobre o livro, muito esclarecedores. Eu incluiria ilustrações dos tipos de baleia descritos no livro, como o cachalote e a baleia franca, para ajudar o leitor a imaginar a forma destes seres absurdamente maiores que os homens, mas o editor deve saber o que faz. Mas o que dizer de um clássico? Apesar de grande (e pesado, não foi fácil sair por aí carregando o livro, o que se tornou um motivo a mais para lê-lo logo de uma vez) não é uma leitura muito complicada. Claro, há trechos repletos de enigmas literários, históricos e bíblicos e também longas descrições complexas sobre vários temas (náuticos, anatômicos, biológicos, físicos, históricos, meteorológicos) que podem afastar um leitor mais interessado na caça em si de uma baleia. Como escreve Evert Duyckinck em sua resenha (publicada no mesmo ano que o livro, 1851) há vários livros neste livro: uma consideravel parte dele dá ao leitor os vários aspectos técnicos do que é uma baleia (mais especificamente um cachalote, uma baleia que tem dentes) e de como e porque se caçava uma baleia no século XIX; em uma outra parte do livro, que de fato é até modesta, diria menos de um terço do livro, temos o romance em si da caçada de uma baleia específica, Moby Dick; e, por fim, há uma terceira parte que envolve as reflexões um tanto moralizantes do narrador, Ishmael, analisando a alma humana e sua relação com a deidade. O romance da caçada envolve personagens marcantes, como o capitão Ahab, que deseja apenas vingar-se de um baleia que destruiu sua perna em uma outra ocasião, não se importando com o destino de seu navio e sua tripulação. Outros personagens são igualmente inesquecíveis: Queequeg, o arpoeiro asiático de corpo tatuado; o primeiro imediato Starbuck, um Quacker relutante quando tem de enfrentar seu irascível capitão; o arpoiro Tashtego, que renasce das entranhas de uma baleia; o bem humorado segundo imediato Stubb; o misterioso arpoeiro pessoal de Ahab, Fedallah, que profetiza o destino funesto de todos por conta da caçada. As imagens construídas por Melville são sempre muito vívidas. Um sujeito mais romântico facilmente é levado a sair para o mar e conhecer o mundo misterioso da vida em um navio de grande porte. Os leitores que têm curiosidade científica certamente vão achar o livro gostoso de ler: até a descrição do que é o problema da braquistócrona, isto é, achar a curva de menor tempo de viagem entre dois pontos para um objeto sob uma força gravitacional constante, proposto por Johann Bernoulli, no início do século 18 e que eu ensino nos meus cursos de mecânica clássica aparecem disfarçados no livro. A inversão da polaridade de uma agulha de bússula por conta dos raios de uma tempestade no oceano pacífico também aparece bem contada no livro (assim como o procedimento que o capitão utiliza para re-imantar o objeto). Curiosa também é a descrição da topologia das terras altas dos Andes, que já foram o fundo de algum mar em tempos remotos. Todo este material deve muito a literatura naturalista e/ou realista do século XIX. Há também muitas citações literárias (além das mais obviamente bíblicas) como a do Albatroz de Coleridge. Assim como no Quixote temos histórias vagamente relacionadas ao texto principal nele enxertadas (a do motim do navio Town-Ho ou a dos sucessos do navio Samuel Enderby, por exemplo), mantendo o leitor preso ao livro, mas ansioso por uma conclusão da história principal. Foi uma bela semana de leitura. Semana chuvosa, como se o mar viesse a Santa Maria tornar mais verossímel a leitura. Don Ronái acompanhou-me nesta viagem e se deliciou também neste mar. Ainda temos de conversar sobre estes senhores corajosos e suas obsessões, sobre a brancura das coisas, sobre a moralidade das gentes, apoiados em nossos banquinhos mochos, esquecidos dos aborrecidos sucessos locais. Finis.
"Moby Dick", Herman Melville, tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza, editora Cosac Naify, 1a. edição (2008) capa dura 17x23.5cm, 656 pág. ISBN: 978-85-750-3670-9
2 comentários:
Esse eu tô atrás desde que tava no prelo. Beleza!
bá aguinaldo!!! que grande livre é esse. quando li há uns anos atrás me deu um nó. preciso relê-lo. sobre o dicionário de termos náuticos: perfeito!!! ...e são muitos ao longo do livro... um barato teu blog. um toque: já deu uma sacada na edição em português de TOWN & COUNTRY do KeROUAC? chama-se CIDADE GRANDE e CIDADE PEQUENA (acho que é isso)- saiu pela L&PM. aBÇ.
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