Li boa parte deste livro nas praias ainda no verão passado. Fiquei uns bons dias sentado, perto do mar, bebericando algo e acompanhando as reflexões de Le Clézio. Não cheguei a terminar naquela época. Aí começaram os sucessos do ano letivo e as correrias da vida. Emprestei o livro para uma amiga entusiasta da cultura andina e mexicana, que levou-o na bagagem em uma viagem sentimental ao México. Elenir leu o livro todo bem antes de mim. Quando ela devolveu-me o livro eis que me organizei para terminá-lo, mas já havia perdido o ritmo das praias e demorei bastante para me entender com os argumentos do autor. Trata-se de um detalhado ensaio sobre as culturas e os povos pré-hispânicos, principalmente sobre detalhes da mitologia destes povos. Le Clézio não é nada superficial. Ele estudou a fundo as muitas camadas de mitologia, filologia, linguística e aquilo que a historiografia da área recuperou daquela época. Produziu um texto que além de nos ilustrar um tanto, serve como um libelo contra a violência e a ignorância. Não se consegue ler este livro sem ficar com um certo mal estar. O autor descreve a violencia cíclica e intrínsica que os povos ameríndios pré-colombianos experimentavam entre si (pois formavam sempre sociedades hierarquizadas, com uma definida aristocracia dominante) mas, segundo ele, ao mesmo tempo: "Eles estavam a ponto de desenvolver um sistema filosófico que poderia resolver as contradições do mundo antigo. Através do transe e da revelação chamanísta se alcançava uma harmonia entre o real e o sobrenatural. A concepção de um tempo cíclico e a idéia de uma criação baseada na catástrofe poderiam ser os pontos de partida de um novo pensamento científico e humanista. O respeito às forças naturais e a busca de equilíbrio entre o homem e o mundo talvez poderiam influenciar o progresso técnico do mundo ocidental, tornando-o menos radical e determinista." São especulações interessantes, que levam o leitor a pensar. Aprendi recentemente com Javier Marías que não há sentido algum em pedir que o atual rei da Espanha peça desculpas pelos crimes cometidos por Hernán Cortés, nem que o atual papa peça desculpas pelos crimes cometidos pelo tribunal do santo ofício contra Galileu Galilei ou quem quer que seja. O que os homens podem fazer é apenas aprender com o passado e esperar que as futuras gerações possam errar um tanto menos. Le Clézio é mesmo um sujeito de muitas habilidades. [início 26/01/2009 - fim 18/10/2009]
"El sueño mexicano: o el pensamiento interrumpido", J.M.G. Le Clézio, tradução de Mercedes Córdoba e Tomás Segovia, editora Fondo de Cultura Econômica (1a. edição) 1992, brochura 11x17, 278 págs., ISBN: 968-16-3699-6
Nenhum comentário:
Postar um comentário