Ainda no ínicio de 2004, depois de ler na Folha de São Paulo que Tarso Genro justificava a esquizofrenia dos primeiros dias do governo lula ao "rebaixamento do horizonte utópico do pt", percebi que tudo o que é dito por um petista só poderia mesmo ser entendido como peça ficcional, sem qualquer decalque no mundo real. Esta espécie de epifania poupou-me de muitos aborrecimentos. Recentemente don Ronai Rocha me disse que Tarso Genro havia publicado livros de poesias. Quase na mesma época consultei uns jornais velhos por conta de um texto que escrevia sobre o prêmio literário Fellipe d´Oliveira. Descobri neles que o mesmo Tarso ganhou um segundo lugar de poesias do Fellipe d´Oliveira em 1978 (perdendo para o médico Luiz do Prado Veppo). Ulalá pensei! Um Tarso Genro explicitamente ficcional deve ser divertido. Procurei na estantevirtual e achei três livros: Vento norte (1964), Acorda palavra (1969) e Luas em pés de barro (1977). Estes dois últimos não li, mas o primeiro, que Tarso assina "tarso fernando h. genro, estudante, 17 anos, santa maria, rio grande do sul" (quem já leu o "Retrato do artista quando jovem" vai lembrar do anacronismo desta fórmula) me pareceu tentador demais para não dedicar a ele um par de horas. É mesmo divertido. São versos brancos que falam das estações, da natureza, das moças e rapazes, das paixões juvenis, dos ruas e espaços públicos da cidade. Curiosamente ele escreve tudo em caixa baixa (em minúsculas, como e.e. cummings ensinou, mas Tarso não deveria saber quem era Cummings em 1964). Assim Fidel Castro, Hiroshima, Krushev, Lindon Johnson, França, Nagasaki são grafados fidel castro, hiroshima, krushev, lindon johnson, frança, nagasaki. Mas sua transgressão juvenil e coragem intelectual tem limites bem definidos. Ele não se permite uniformizar o estilo e escreve "Deus" (várias e várias vezes) e "Pai Universal" (uma única vez) em em caixa alta, como se grafar "deus" pudesse amaldiçoá-lo de alguma forma. Proust já nos ensinou que uma fila extensa de odiosas encarnações nos liga do berço ao esquife (na verdade é Elstir quem nos ensina isto, quando é flagrado pelo narrador com uma lembrança incômoda). Talvez o jovem tarso genro, estudante, 17 anos, fosse apenas um jovem beato e temente à deus, algo tolo e pueril, fazer o quê, mas ainda assim um jovem com licença para cometer poemas açucarados e banais, como qualquer jovem, de qualquer tempo e lugar. O atual Tarso, ex-prefeito, ministro, candidato, hoje já é vetusto demais, escreve e fala platitudes demais para que eu procure nelas alguma verdade. O narrador de "Em busca do tempo perdido" se satifaz com as explicações de Elstir, mas meu coração paulista é menos tolerante. Cabe o registro que o livro tem uma bela capa, assinada pelo artista plástico santa-mariense Eduardo Trevisan. [início 19/09/2009 - fim 26/09/2009]
"Vento Norte", Tarso Fernando Herz Genro, editora Manuzio (1a. edição) 1964, brochura 14,5x19,5, 45 págs., sem ISBN
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