Este será o último livro que resenharei este ano. Li ainda em julho ou agosto, não me lembro mais, todavia decidi ainda naquela época que deixaria este pequeno livro para ser resenhado por último. Acontece que neste ano vários amigos e/ou conhecidos próximos morreram. Alguns eram mortes anunciadas, estavam doentes há tempos e sinalizando este desfecho. Outros se foram mesmo numa surpresa. Não posso dizer como Flaubert que "meu coração está transformado em uma necrópole", pois minha relação com estes amigos não era exatamente íntima, mas fiquei realmente aborrecido com estas perdas, como se a materialidade da morte se entranhasse numa camada ainda inacessível de mim mesmo. Surpreendi-me com meu distanciamento e frieza. Será que este comportamento é perene? Sentirei o mesmo quando pessoas ainda mais próximas morrerem? Não sei dizer. Pois "O pato, a morte e a tulipa" é um livro para crianças que conta um tanto sobre a morte, que apresenta a morte ao leitor (não necessariamente apenas aos leitores jovens, pois também os adultos podem gostar desta morte - que fala com ironia, que se diverte em acompanhar o pato em suas últimas semanas). O traço de Erlbruch é muito bonito, o texto curto, sem sobressaltos. A filosofia e a cultura amarram o texto. O pato conversa com a morte sobre sua natureza. Entende que quando estiver morto haverá um vazio, um "lá", sem ele, mas que será para o pato também um "não lá", algo que existe a despeito dele, mas está entranhado e definido por ele. É só uma associação besta, mas este belo livro fez-me lembrar de um poema de Wystan Auden onde ele perguntava: "Whither? Where does this journey look which the watcher upon the quay, standing under his evil star, so bitterly envies, as the mountain swim away with slow calm strokes, and the gulls abandon their vow? Does it promise a juster life?" Afinal, para onde aponta esta jornada? É isso o que cada um de nós leva uma vida inteira para descobrir. O livro é bonito, mas este foi um ano ruim. [início 01/06/2010 - fim 24/12/2010]
"O pato, a morte e a tulipa", Wolf Erlbruch, tradução de José Marcos Macedo, editora Cosac Naify (1a. edição) 2009, brochura 24x29,5, 32 págs., ISBN: 978-85-7503-831-4
----------------------------------------------------------------------------------Este foi um ano complicado, mas ler marcou sempre os melhores momentos, algum descanso na loucura, algum descanso dos aborrecimentos. Li coisas realmente boas, fortes. Li uns seis ou sete bons livros de Javier Marías, notadamente de crônicas, o sujeito sabe ser convincente; encontrei as últimas cositas do Manolo Vazquez Montalbán e do Cees Nooteboom; descobri o poder da prosa de Enrique Vila-Matas; li bons livros de Ian McEwan, Cormac McCarthy e Alejo Carpentier; diverti-me com a prosa descompromissada de Andrea Camilleri e seu adorável comissário Montalbano. Este foi um ano em que li muitos livros em espanhol (29% do total) e que voltei a ler romances policiais (mas os livros de Camilleri oferecem algo mais ao leitor que apenas escapismo). Foi o ano que passei a usar os portais de sebos Abebooks e Iberlibros para garimpar o que me falta na biblioteca, que cousa boa! E foi o ano do lançamento de Arquimedes, um romance coletivo que produzimos cá em Santa Maria, que vendeu e vai vender bem mais ainda. Eis que em 2010 foram 130 livros lidos, quase o mesmo que no ano passado. Foram 28 romances, 18 de crônicas ou ensaios, 14 de perfis ou memórias, 12 romances policiais, 11 novelas, 11 de contos, 9 cartuns ou mangás, 7 de poesia, 6 de gastronomia, 5 infanto-juvenis, 3 didáticos, 3 de aforismos, 2 livros de arte e 1 drama poético (o seminal Filoctetes de Sófocles, que belo livro). No ano que vem quero reler alguns clássicos, como as Metamorfoses, a Ilíada e a Odisséia; voltar a passear pela Mancha com Don Quixote; retomar algum Shakespeare; mergulhar em alguma mitologia, celeiro dos homens; reaprender algo com Joyce, claro; e voltar aos caminhos de Swann e Guermantes, com Proust. É tempo! São projetos de comemoração de meus cinquenta anos. Veremos. Se é que você me acompanhou até aqui boas festas, felicidades mil. Vamos a ver o que se passará de verdade em 2011. Vale.
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