Este é um livro que apresenta Adonis (Ali Ahamed Said Esber) ao leitor de língua portuguesa, aquele não familiarizado com o árabe original de sua produção ou com as eventuais traduções dele para outras línguas. Adonis nasceu na Síria em 1930, viveu no Líbano muitos anos (adotou a cidadania libanesa em 1962) e desde os anos 1980 está radicado em Paris. É dos mais respeitados poetas contemporâneos, mas também um versátil ensaísta, editor de revistas e um experiente tradutor, tanto do francês e do inglês quanto do grego. Traduzidos diretamente do árabe, encontramos aqui poemas publicados por toda uma vida, de 1957 até 2003. O tradutor, Michel Sleiman, faz um trabalho de seleção em que explicita a proposta estética de cada um dos livros de Adonis. Apesar de serem apenas fragmentos, com isso o leitor tem uma mostra do que Adonis apresenta a cada livro que publica, fica sabendo quais eram as motivações e as circunstâncias básicas de sua vida (um tanto nômade, forçado ao exílio por seus posicionamentos políticos). Milton Hatoum assina uma apresentação biográfica de Adonis e Michel Sleiman explica em um prefácio os pressupostos de sua organização do volume. O livro inclui umas poucas ilustrações com manuscritos de poemas (a caligrafia árabe é algo que sempre impressiona por sua beleza). Incluí também uma lista de todas as obras de Adonis. Estou com esse livro à mão desde meados de julho. No início estranhei um tanto o ritmo e as construções (as metáforas, os símiles, as vozes, parecem pertencer a um outro mundo), mas depois aprendi a desfrutar deles (digamos assim: acho que passei a lê-los sem muita inteligência, seguindo antes a intuição que outra faculdade). Adonis apresenta temas mitológicos, fala da mulher e do mundo feminino, tem a lucidez dos profetas a quem ninguém dá ouvidos. Sua descrição poética da guerra civil no Líbano é igualmente forte e lírica; há ironia e originalidade em seus poemas. Há também espaço para algum ensinamento, como no excelente "Tumba para Nova York", onde ele diz: "Me dizem, 'Procura a ação. A palavra está morta'. A palavra morreu porque a língua de vocês trocou o hábito da fala pelo hábito do gesto. A palavra? Vocês querem descobrir seu fogo? Então escrevam. Eu digo 'escrevam', não digo 'gesticulem', nem digo 'copiem'. Escrevam - do Atlântico ao Golfo não escuto nenhuma língua, não leio nenhuma palavra. Escuto gritaria. Por isso não vejo nenhum lançador de fogo. A palavra é a coisa mais leve e no entanto carrega tudo. A ação é lugar, é instante. A palavra são os lugares todos, é o tempo todo. A palavra - a mão; a mão - o sonho. Eu te descubro, ó fogo, seu protetor. Eu te descubro, poesia." A poesia é a arte do quase inefável, mas talvez seja apenas através da poesia que os homens (e os povos, e as gentes) conseguem se entender (e se surpreender, um tanto mais, e se estranhar, um tanto menos). Grande escritor esse sujeito.
[início: 09/07/2012 - fim: 28/10/2012]
"Poemas: Adonis", Adonis,
organização e tradução de Michel Sleiman, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a.
edição (2012), brochura 14x21 cm, 253 págs.
ISBN: 978-85-359-2124-3
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