Há dois meses, o acaso, sempre um fiel camareiro, colocou Ronai Rocha e eu próximos em uma fila de aeroporto. Íamos num mesmo voo para São Paulo. Ali não podíamos conversar, mas ao fazermos escala antes de nos tocar o outro trecho da viagem, o dele mais ao norte, o meu mais a oeste, deste pródigo e desgraçado Brasil, conseguimos dividir uns pães de queijo e um café. Ele contou-me detalhes de uma notícia desagradável, relacionada a um livro que acabara de escrever e fora rejeitado por conta de uma chicana jurídica. Cerrei os dentes para não escarnecer em voz alta o nome da tola viúva do Paulo Freire que o havia prejudicado. A estupidez, já se sabe, sempre provoca calamidades. Paciência. Pouco tempo depois, já de volta, como Mário de Andrade, abancado à escrivaninha, só que em Santa Maria, na minha casa da Rua Quintino Bocaiúva, de supetão senti um friúme por dentro. Lembrei a história que ouvira do Ronai e da falta de tino e tato (sem falar da falta de instinto e competência editorial) de todos os envolvidos na rejeição do livro. Novamente, como o velho Mário, fiquei algo trêmulo, comovido. Resolvi reler a reedição de um livro que ele havia publicado em 2008 (e que já registrei aqui): Ensino de Filosofia e Currículo. Essa segunda edição passou por uma revisão completa e ganhou uma formatação mais caprichada. O texto atualizado discorre sobre os temas mais importantes relacionados ao ensino de filosofia (e de resto fala bastante sobre o ensino médio brasileiro). As ideias do Ronai não são apenas seminais. Ele as apresenta com clareza e sofisticação. Os argumentos são sólidos e o encadeamento deles sempre próximos do irrefutável (meus adjetivos tendem ser mais taxativos que os do Ronai, já se vê, mas é nele e em seu livro que o leitor deve confiar, não em mim). Sua discussão sobre as dificuldades na inserção da filosofia no currículo do ensino médio, sobretudo quando não se considera que cada uma das demais disciplinas também propõem conteúdos específicos que necessariamente devem ser conectados de forma didaticamente eficaz uns com os outros, é a chave do livro. O prefácio a essa segunda edição, assinado por Gisele Secco, dá conta do impacto do lançamento original do livro na comunidade de educadores e filósofos. Os argumentos de Ronai de certa maneira antecipam alguns dos desastres que acabaram por encetar a reforma do ensino médio atualmente em discussão (cabe dizer para os mais açodados ou simplesmente tolos que as linhas gerais da atual proposta de reforma já haviam sido delineadas pelo glorioso Ministério da Educação ainda no início do trágico governo anterior). Com a reforma nem o mais atrevido dos analistas sabe prognosticar qual será o futuro da formação básica dos estudantes brasileiros. Livro atualíssimo, "Ensino de Filosofia e Currículo" merece ser lido por todo aquele realmente interessado em filosofia e educação básica deste país. E eu, nem sempre otimista, estou seguro que aquele outro livro do Ronai, o livro explicitamente novo dele sobre o tema, encontrará em breve o caminho para sua edição. Ulalá. Vai ser divertido. Vale.
[início: 10/10/2016 - fim: 21/11/2016]
"Ensino de Filosofia e Currículo", Ronai Pires da Rocha, Editora da UFSM, 2a. edição (2015), brochura 15x24cm, 221 págs. ISBN: 978-85-7391-230-2
Um comentário:
Caríssimo Aguinaldo, obrigado por mais essa leitura do "Ensino". Se o livro teve algum reconhecimento, foi também porque alguns amigos fizeram com paciência uma leitura generosa, como a tua. Quanto ao outro livro, já posso adiantar que está encontrando um caminho para vir à publico em breve. Serás dos primeiros a saber. Um grande abraço!
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