"A amiga genial" é o primeiro romance de uma tetralogia, de uma série, dita "napolitana". A autora assina "Elena Ferrante", mas os curiosos de plantão não têm ideia de quem mesmo é esta pessoa que produz tantos livros capazes de conquistar em pouco tempo sucesso de público e de critica (caso raríssimo e quase sempre improvável, por mais que editores tentem). O livro é realmente gostoso de ler. Os problemas vivenciados pelos protagonistas são verossímeis, o tom da descrição de seus conflitos emocionais e morais é sóbrio, não há improvisação nos sucessos da narrativa ou condescendência com as questões discutidas, dificilmente um leitor já experimentado pelos primeiros aborrecimentos da vida deixará de imaginar paralelos entre as vidas descritas por Ferrante e a sua, sobretudo se esse leitor ter vivido em um ambiente de imigrantes italianos, participado de casamentos, brigas, conflitos e festas italianas. A história se passa entre meados dos anos 1950 e o início dos anos 1960, em uma Nápoles ainda reinventando-se após a destruição causada pela segunda grande guerra. A narradora é uma senhora que conta sobre si quando bem jovenzinha, ainda garota, quase adolescente. Ela se chama Elena Greco e fala sobre si e uma curiosa melhor amiga, Raffaella Cerullo (embora eu prefiroa acreditar que a amiga genial do título seja ela mesmo, Elena Greco). Ambas, aparentemente, cruzaram sempre seus destinos ao longo da vida, e é o repentino desaparecimento desta amiga que leva a narradora a contar a história delas, parte como uma forma de mitificá-la, como quem conta repetidamente contos das mil e uma noites para um ouvinte ideal, enfeitiçando-o mais a cada dia, enredando-o nos sutis fragmentos do mar de palavras que é sua narrativa; parte como um exercício de memória voluntária que produz justamente o mesmo efeito que Proust nos ensinou, quando mostrou a potência da memória involuntária. Mas essa é outra história. Os acontecimentos são típicos de um Bildungsroman, um romance de formação: acompanhamos os sucessos de várias pessoas, mas o que realmente importa é como Elena se desenvolve moral, física, psicológica e intelectualmente, da infância até quase o fim da adolescência. Os temas são poderosos: luta de classes, ascensão social, regras de mundanidade, a educação como ferramenta de diferenciação entre as pessoas, história contemporânea, o fascismo e o nazismo, a culpa e os sonhos de toda uma geração de italianos. Como em todos os livros onde se fale verdadeiramente do cotidiano italiano aprendemos algo sobre como se dão os níveis de registro da língua, seja na norma culta ou nos dialetos, em como as convenções e os ritos dominam os atos das pessoas, em como a família e os amigos nos moldam e forjam nossos projetos de vida, mas também criam oportunidades para que nós mesmos passamos a inventar nossos próprios moldes e personas, nossos projetos e ambições de vida. Lembrei muito dos livros de Natália Ginzburg. Certamente muitas coisas acontecerão nos próximos volumes, mas esse já se defende sozinho, continuo curioso sobre os sucessos que esperam Elena Greco, Raffaella Cerullo e sua turma da periferia de Nápoles. Vale.
[início: 17/01/2017 - fim 24/01/2017]
[início: 17/01/2017 - fim 24/01/2017]
"A amiga genial: infância, adolescência", Elena Ferrante, tradução de Maurício Santana Dias, Rio de Janeiro: Editora Globo (coleção Biblioteca Azul), 1a. edição (2015), brochura 14x21 cm., 336 págs., ISBN: 978-85-250-6060-0 [edição original: L'amica geniale: infanza, adolescenza (Roma: Edizione E/O) 2011]
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