sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

grito

De Godofredo de Oliveira Neto só conhecia os dois machadianos e curiosos contos reunidos em "Ilusão e mentira", de 2014. "Grito" é seu romance mais recente. Foi publicado no outono do ano passado. Trata-se de uma proposta também curiosa, que usa admiravelmente bem a linguagem para descrever o que se passa na cabeça de uma idosa atriz, Eugênia, mulher solitária, já aposentada e encerrada em um apartamento de Copacabana. Nos vinte e um "atos" em que é dividido o romance acompanhamos vinte e um "esquetes" teatrais que brotam da imaginação e fantasia de "dona" Eugênia. Alguns flertam com a realidade, mas a maioria deles são apenas sonhos, fragmentos de romances antigos, memórias em curto-circuito, ideias amalucadas para montagens teatrais. A consciência dela parece tentar entender a si mesma e os sucessos da vida de um vizinho, Fausto, rapaz que aparentemente afeiçoou-se a ela, pode ter planos de tornar-se ator e esporadicamente a recebe em seu apartamento. O que Godofredo de Oliveira mais acertadamente registra em seu livro são as dificuldades, quando não a impossibilidade, de comunicação. O entendimento que fazemos dos outros nunca é preciso. E na vida, sempre somos mais inventivos e criativos que na ficção. Isso é irrelevante, mas lembrei-me imediatamente de um filme antigo de Peter Yates, "O fiel camareiro" (The Dresser, no original) no qual acompanhamos os últimos atos de um ator senil (dois grandes atores, Albert Finney e Edward Fox, interpretam os protagonistas do filme, respectivamente, o velho ator e seu "fiel" camareiro). Assim como Yates, Godofredo de Oliveira Neto soube contar uma bela história. Vale.
[início: 05/01/2017 - fim: 06/01/2017]
"Grito", Godofredo de Oliveira Neto, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2016) brochura 14x21 cm., 158 págs., ISBN: 978-85-01-10701-5

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