Depois de tanto tempo atordoado e quase acostumado com a leniência e
preguiça mental da grande maioria dos críticos de arte e cultura brasileiros que li nos
últimos anos, foi uma alegria encontrar estes dezesseis artigos de Janet Malcolm, reunidos em "41 inícios falsos". São textos muito diferentes em propósito e extensão. Três são obituários breves (dois de pessoas reais e um do projeto de autobiografia da autora); seis são resenhas literárias; cinco são ensaios sobre fotógrafos ou exposições fotográficas; dois são robustos ensaios dedicados às artes plásticas. Os artigos foram publicados originalmente nas revistas americanas "The New York Review of Books", "The New York Times Book Review" e "The New Yorker", entre os anos 1980 e os anos 2010. Janet Malcolm é jornalista e escritora de sucesso, muito respeitada por seus pares. Os ensaios que mais gostei foram aqueles sete nos quais ela fala de artes plásticas e de fotografia. Janet escreve muito bem. Seu texto esconde grande erudição, incluindo em suas análises referências histórias, literárias, filosóficas e também da cultura pop. Talvez seja o tipo de ensaística impossível de ser praticada extensivamente hoje, pois poucos detêm de fato conhecimento e talento para expressar-se sobre temas complexos sem parecer tolo ou irrelevante. O rigor e a precisão de sua linguagem impressionam. Os textos sobre fotografia tratam ou de artistas (Thomas Struth, Julia Cameron, Diane Arbus, Edward Weston, entre outros) ou de exposições, temas específicos (como o nu na fotografia, por exemplo). Os textos de literatura tratam do grupo Bloomsbury (Vanessa e Virgína Woolf, sobretudo) e de livros específicos de Edith Wharton, J.D. Salinger, Gene Stratton-Porter, Cecily van Ziegesar e Allan Shaw. Um dos dois artigos que tratam de artes é uma desconstrução acadêmica do pintor David Salle, mas, apesar do mal humor de Malcolm em relação a sua obra, ele continua firme e produtivo no mercado da arte. No outro ela fala sobre a revista de arte contemporânea Artforum. Este artigo é antigo, de 1986, mas é realmente muito esclarecedor sobre os mecanismos internos do mercado da arte e das relações promíscuas entre galerias, marchands, curadores de exposições, diretorias de museus, jornalistas e os próprios artistas. Seus comentários são resultado de um ano de entrevistas com antigos colaboradores da revista, todos eles em algum momento professores universitários ou críticos de arte (Rosalind Krauss, Robert Pincus-Witten, John Coplans, Barbara Rose, Thomas McEvilley, Rene Ricard, Thomas Lawson, Carter Ratcliff e Marian Goodman); diretores de museus, como Willian Rubin, do Moma; artistas plásticos, como Richard Serra, Sherrie Levine, Julian Schnabel e Edit DeAk. O artigo gravita a personagem mais interessante de todos, a editora à época da revista, Ingrid Sischy. Malcolm nos ensina como extrair a informação mais importante e definitiva de cada entrevistado, além de não deixar que suas preferências estéticas, culturais ou políticas afetem o julgamento sobre o que cada um fala. Hoje, Janet Malcolm é uma senhora de mais de oitenta anos, mas estou seguro que privar de uns poucos momentos conversando com ela seria uma experiência dos diabos.
[início: 13/03/2017 - fim: 26/03/2017]
"41 inícios falsos: Ensaios sobre artistas e escritores", Janet Malcolm, tradução de Pedro Maia Soares, São Paulo: editora Schwarcz (Companhia das Letras), 1a. edição (2016), brochura 14x21 cm., 383 págs., ISBN: 978-85-359-2679-8 [edição original: Forty-One False Starts: Essays on Artists and Writers (New York: Farrar Straus Giroux (Macmillan Publishers) 2013]
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