Assim como havia feito no final de "A amiga genial', a narradora de "A história do novo sobrenome" termina deixando o leitor em suspense. Mas a transição do segundo para o terceiro volume não é imediata como na vez anterior. Elena resolve dizer ao leitor que ao ter notícia do desaparecimento de Raffaella e iniciar a tarefa de escrever sua história ela não a via já há cinco anos, estavam bem afastadas. Retornando ao momento no final de 1968, quando está numa recepção de lançamento de seu livro e reencontra um velho amigo, a narradora passa a descrever os destinos cruzados delas duas até meados dos anos 1970. Intrigas e reviravoltas, traições e surpresas, frustrações e culpas se acumulam. Elena também passa pela experiência de ser mãe, sobrepor à vida pessoal e aos planos privados os cuidados e responsabilidade para com os filhos. Assim como os personagens ganham com educação formal ou com maturidade, ferramentas para enxergarem melhor a realidade que vivem, a narradora parece ter expandido sua capacidade de reflexão e interpretação. Suas digressões, antes, suas sessões de autoanálise, promovem o diálogo, a comunicação, buscam compreender e ser compreendido. Nem sabedoria prática nem inteligência bastam. Não é possível comparar o conhecimento livresco das coisas e a experiência real da vida vivida. Esse volume explora com mais profundidade o que talvez seja mesmo o que dá força ao livro: a condição feminina. Todas as mulheres do livro passam por metamorfoses, algumas previsíveis, outras surpreendentes. Encontramos também descrições interessantes sobre política italiana, luta de classes, as dificuldades da criação literária e os mecanismos de poder nas universidades, mas todo o tempo a narrativa segue acumulando reflexões sobre mulheres e sociedade. Elena e Raffaela, assim como Narciso e sua imagem refletida nas águas, têm naturezas diferentes, pertencem a mundos diferentes. E eu, o leitor, assim como Marcel, personagem de Proust, que cada vez menos entendia o caráter do barão de Charlus, entendo cada vez menos o caráter de Elena. Vamos ver o que a autora guardou para o último volume. Vale.
[início: 11/02/2017 - fim 19/02/2017]
"História de quem foge e de quem fica: tempo intermédio", Elena Ferrante, tradução de Maurício Santana Dias, Rio de Janeiro: Editora Globo
(coleção Biblioteca Azul), 1a. edição (2016), brochura 14x21 cm., 416
págs., ISBN: 978-85-250-6250-5 [edição original: Storia di chi fugge e di chi resta (Roma: Edizione E/O) 2013]
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