São doze poemas. Quase todos curtos, quase todos hiper destilados, potentes e cortantes, férteis em propostas e associações. Ricardo Aleixo os publicou no início destes anos 2000 (e fez a capa, projetou, editou, fabbro que é). Os poemas têm títulos, títulos-valise: (i) Máquina zero; (ii) Labirinto; (iii) Confidência; (iv) Paupéria revisitada; (v) Teofagia; (vi) Antropofagia; (vii) Autofagia; (viii) Como realmente é; (ix) Dois exercícios de língua pária; (x) O Belomorte; (xi) Exercícios de lira maldizente e (xii) Anti-ode: Belorizonte. Nos curtíssimos primeiros sete o poeta (i) deambula por Berlin e vê as gentes (se perde e se acha, entre sons, imagens e ideias); (ii) caminha como um grego por uma cidade que conhece como a sola de seus pés (mas sabe que o homem que nunca se perde nunca se acha); (iii) empresta do Machado sarcasmo e palavras duras para um poeta rival; (iv) volta a tomar emprestado, desta vez uma ironia, do e.e. cummings, sobre as dificuldades da poesia original ser entendida e publicada; (v) engole hóstia e passado mineiro, como um Chronos mirim; (vi) flerta e repasta os modernos, Oswald à frente; (vii) como velho putanheiro, perde conas mas não a verve. Os três seguintes (oitavo, nono e décimo) mostram: (viii) como o poeta usa sua arte como chave, como ferramenta para entender melhor os mecanismos do mundo e atuar: no oitavo para continuar uma reflexão importante de onde a Wislawa parou (faz um bicho homem vomitar seu ódio, humanizando-o); (ix) como provocar um outro tipo de terrorista, aquele que parece colega e igualmente usa a palavra, mas em vão e com eivada mão; (x) como deixar vazar da memória um primo mentiroso, cheio de imaginação. O penúltimo poema (xi) é o mais longo, e aquele onde o poeta descreve o mundo das letras, da literatura, fala de como seu ofício é corrompido por maus artífices (ou canalhas mesmo), onde disserta ativista e crítico, torna-se muso de si mesmo, inspira-se na aridez e não se furta acusar, apontar erros. No último (xii) ele confronta duramente sua cidade, sua belo horizonte fundamental, com um rabo do olho longe, lá na Alexandria de Kaváfis. Li o livro várias vezes, umas tentando contar quantas vezes a ideia de ofício aparecia, noutras conferindo citações e associações, por vezes só apreciando as ilustrações (capa, duas ou três reproduções fotográficas, duas ou três pequenas vinhetas/retrancas) e os aforismos do verso da capa. "Máquina zero", o livro, parece uma coisa só, onde forma e texto se amalgamaram tão completamente que cada detalhe explica o todo reunido, enfeixado nele. O livro inclui ainda dois bons textos de apoio: um curto ensaio assinado por Sebastião Nunes e uma apresentação de Marçal Aquino. Ô beleza. Evoé Aleixo, Evoé.
[início: 28/03/2017 - fim: 11/04/2017]
"Máquina zero", Ricardo Aleixo, Belo Horizonte: Scriptum Livros (coleção Zaúm), 1a. edição (2004) brochura 12x18 cm., 64 págs., ISBN: 85-89044-06-8
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