Depois de conhecer o bom "As fantasias eletivas" resolvi procurar mais cousas do Carlos Henrique Schroeder. E foi justamente há um mês, em Blumenau, em uma missão acadêmica, que encontrei esse "História da chuva", publicado originalmente em 2015, como se estivesse sempre lá, esperando por mim. Assim como em vários romances de Vila-Matas há um narrador na história que encarna a biografia e os atos de alguém que se chama Carlos Schroeder, mas, claro, não se trata do autor, mas sim de um preposto literário que tem mais liberdade para conduzir a narrativa e brinca sobre o que é real e o que é ficção. O Schoreder real, autor e dono do texto, alterna três narrativas, coordenadas em muito sentidos, mas ao mesmo tempo simultaneamente ímpares, que saberiam defender-se sozinhas, caso ele decidisse construir cada uma das histórias individualmente. O leitor acompanha os sucessos biográficos de um sujeito, um titereiro, Arthur Sobrossa, que morreu afogado em uma das recorrentes enchentes do rio Itajaí, a de 2008. Ora acompanhamos a história de Arthur e seu amigo Lauro, parceiros em um grupo de teatro; ora a história do narrador (o sujeito Carlos H. Schroeder, mascate das letras que organiza eventos literários pelo interior de Santa Catarina e parece fugir de uma musa dominadora); ora a história/peça de teatro que um personagem, Satin, escreve por inveja para vingar-se simultaneamente de Schroeder e de Arthur. Como arqueólogos que inspecionam um velho palimpsesto deciframos no livro os vestígios das histórias que mais nos interessam, cada uma delas relevante e interessante por si só. Escrever é inventar mundos, com lógica e verossimilhança apenas verificáveis nos limites impostos por capa e contracapa. Schroeder nos faz curiosos da biografia e destino de seu homônimo e do titereiro que morrerá afogado, naquele terrível 2008, dois sujeitos que partilham o ingrato ofício de operador da cultura, neste país onde falar de cultura parece ser sempre uma ofensa pessoal para alguém (geralmente alguém com o poder de decidir algo). No final do primeiro capítulo de "Orlando", de Virgínia Woolf, o
protagonista, abandonado por Sasha, enfrenta tormenta, degelo e as ondas
do mar, vê destruição e morte, sente suas lágrimas confundirem-se com a chuva,
emite a frase combinada: "Jour de ma vie!" mas, sem obter retorno, logo
começar a imprecar maldições às mulheres. Em resposta a tanto
sofrimento o mar lhe devolve apenas um espelho partido e uma pedrinha
verde. O narrador de Schroeder experimenta no final de "História da chuva", ensopado e cercado pelos escolhos do rio barrento que roubou-lhe o amigo, um desalento semelhante ao de Orlando. Grande livro.
[início: 01/06/2017 - fim: 09/06/2017]
"História da chuva", Carlos Henrique Schroeder, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2015), brochura 14x21 cm., 157 págs., ISBN: 978-85-01-10538-7
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