"Noite adentro", de Tailor Diniz, é o terceiro volume de um ciclo de romances que tem muita chance de passar a ser conhecido como sua trilogia da fronteira. Assim como em "A superfície da sombra", de 2012, e "Em linha reta", de 2014, Tailor torna protagonista a fluida, misteriosa e permeável fronteira física entre o Uruguai e o Rio Grande do Sul, no sul do Brasil. E assim como nesses dois romances, em "Noite adentro" confundem-se as fronteiras entre sonho e realidade, entre o vivido no passado e no presente, entre o desejado e o praticado, entre a lei escrita e as convenções estabelecidas entre amigos, entre euforia e desalento, entre o português e o espanhol. No primeiro romance um sujeito cruza a fronteira para visitar uma amiga doente, mas o que seria um exercício de cortesia torna-se uma sucessão de experiências amalucadas (cabe registrar que a fronteira neste caso é seca, uma rua em comum entre duas cidades e países, num centro urbano). No segundo uma garota de programa cruza na fronteira as várias vidas, perigos e sucessos de seus clientes (desta vez as fronteiras estão no campo, afastadas, obrigando os personagens a passar por estradas onde apenas viajantes experientes sabem identificar quando se trata de um país ou outro). Em "Noite adentro" a fronteira é um grande rio, que cobra dos homens mais paciência para cruzar, seja por uma ponte com policiais aduaneiros, seja furtivamente, de barco, fazendo força nos remos. Um sujeito, Antônio, cruza pela primeira vez essa fronteira pela ponte ao anoitecer de um dia frio de inverno, numa espécie de auto exílio. Chega à casa de Inácio, um velho conhecido dos tempos de universidade (e talvez também de algum tipo de atividade clandestina). A narrativa que o leitor acompanhará trata das pouco mais de doze horas desta noite, até o início da manhã do dia seguinte. Após beberem um tanto comemorando o reencontro e os relatos de praxe sobre o passado em comum, Inácio diz a Antônio ter um compromisso já agendado para esta noite, o aniversário de um amigo, e que Antônio deveria acompanhá-lo. Para isso eles cruzam a fronteira, mas desta vez de barco, silenciosamente. Nos capítulos que se sucedem Antônio conhece esse aniversariante, sua mulher e os demais personagens da história, todos envolvidos em uma espécie de conspiração que envolve a chegada de alguém, ou algo, chamado de "El Penitente" e também nas circunstâncias da morte de um sujeito, um brasileiro. Não há sentido em revelar mais que isso da trama. O importante é registrar que o leitor levará muito menos que as doze horas da história para ler o livro. Tudo acontece rapidamente. Bebe-se o tempo todo (um dia destes vou reler o livro apenas para ter uma ideia precisa de quanto cada personagem bebeu); o fogo sempre acesso aquece os viventes; armas são eloquentes extensões do corpo dos homens; carnes são postas a assar, como nas oferendas dos gregos à seus deuses; as mulheres bruxuleiam como as chamas das parrillas, expondo suas carnes aos homens e escondendo segredos; as vozes, versões e histórias truncadas se confundem, como numa litania religiosa. Assim como nos dois romances da fronteira anteriores algo do livro parece brotar do "Traumnovelle", romance de Arthur Schnitzler, que foi adaptado em filme muito bom por Stanley Kubrick (De olhos bem fechados): é o caso, desta vez, da ideia de penitência, do "El Penitente". Bueno. O leitor sempre ganha algo quando lê um livro do Tailor. Em tempo: "Noite adentro" será lançado oficialmente hoje mesmo, 05 de julho, às 19h30min, em Porto Alegre. Perderei esse lançamento, é pena, mas num outro dia vou tentar entrar em contato para conseguir uma dedicatória. Evoé Tailor, evoé.
[início 03/07/2017 - fim 04/07/2017]
"Noite adentro", Tailor Diniz, São Paulo: editora Grua livros, 1a.
edição (2017), brochura 14x21 cm, 174 págs. ISBN:
978-85-6178-63-3
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