"Mergulho na região do espanto" é o terceiro volume de um ciclo sobre Ouro Preto, tendo sido precedido por "Boca de chafariz" e "Quando os demônios descem o morro". Nunca havia lido nada escrito por Rui Mourão, romancista e professor universitário mineiro, mas os livros tem lá seus caminhos para me encontrar e este, mais açodado que os demais, chegou-me antes que os irmãos mais velhos. Muito bem escrito, o livro oferece ao leitor ao menos duas camadas de leitura. A primeira é aquela da proposta inicial do livro, mágica, que apresenta a convocação fantasmagórica recebida pelo narrador do livro para partir de Belo Horizonte para Ouro Preto, onde estava sendo aguardado. Esse narrador é um solteirão, já aposentado, que na juventude envolveu-se com livros, mas que trocou essa ambição literária pelo pragmatismo da contabilidade, as responsabilidades filiais e a respeitabilidade da vida como bancário. Após a morte da mãe, enterrada em Ouro Preto, ele havia voltado a morar em Belo Horizonte. Hospedado em um hotel da cidade, cujas ladeiras e maravilhas já conhecia bem, o narrador é visitado quatro noites seguidas por fantasmas de antigas encarnações suas, sujeitos ligados ao ciclo de ouro de Minas Gerais (ou, como já nos ensinou o Nava, do Caminho Novo das Minas dos Matos Gerais). Esses relatos, que terminam sempre em violência, são bastante engenhosos e de certa forma independentes. Lembram a estrutura de "Viva o povo brasileiro", de João Ubaldo Ribeiro, onde partindo de um poleiro das almas personagens se apresentam para contar algo de sua história de vida. Todavia, após o leitor ter vencido mais de um terço do livro, quando já acredita que seguiria até o fim em sua toada de narrativas históricas, cada uma com sutis variações linguísticas e temporais, eis que o narrador oferece a segunda forma de rastrearmos o entendimento do que estamos a ler. O narrador volta a Belo Horizonte. Agora o leitor percebe que o livro não trata somente do ouro e de um período da história de Minas Gerais, mas sim do processo criativo de um escritor, da literatura como terapia, do amor pela linguagem como um descanso da loucura (um pouquinho de saúde, já disse o Guimarães Rosa). Assim o livro passa, a exemplo de seu narrador, por uma metamorfose, tornando-se um romance psicológico, policial, onde o analista ou detetive é o alter ego do autor que parte em busca de seus personagens e de sua história. Eu poderia detalhar o que acontece a seguir, as outras viagens do narrador à Ouro Preto, as novas aparições fantasmagóricas, mas privaria o leitor deste registro do encantamento provocado pela boa prosa de Rui Mourão. Muito interessante mesmo. Vamos a ver se um dia encontro outros livros dele.
[início: 29/04/2017 - fim: 02/07/2017]
"Mergulho na região do espanto", Rui Mourão, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1a. edição (2015), brochura 14x20 cm., 341 págs., ISBN: 978-85-423-0142-7
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