Foi Helga Correa, senhora das gravuras, das colagens e dos livros de artista, quem primeiro perguntou-me se eu conhecia "Livro aberto", de Marcelo Tápia. Como eu estava envolvido com a leitura do notável "Refusões", livro mais recente dele, onde está reunida sua produção poética, de 1982 a 2017, resolvi garimpar por aí um exemplar e consegui. Um livreiro lá do Rio de Janeiro tinha um volume, que acabou incorporado a meus guardados. "Livro aberto" é antes de tudo um conto, mas também é um livro-objeto, um experimento de design gráfico, uma inventiva proposta narrativa. O volume, impresso em preto, com identificação apenas na lombada, tem 82 páginas, com um retângulo recortado em todas elas e na capa. Lembra imediatamente o obturador de uma câmera escura (quando o livro fica na vertical) ou um poço de elevador (quando o livro repousa na horizontal), atraindo nos dois casos o olho do leitor para uma escuridão no fundo (que é o verso da contracapa, único elemento não vazado do livro). Ao abrir o livro o leitor parece entrar em um teatro, momentos antes de uma peça começar a ser encenada, com os elementos cenográficos já instalados num palco. O conto envolve seis personagens (narrador, marido, assistente, esposa, amante, inimigo) e tem uma chave de leitura, na forma de um diagrama. Cada personagem da trama se apresenta apenas em espaços previamente determinados (dois espaços acima, dois espaços abaixo e em cada um dos dois lados do retângulo recortado das páginas. O "narrador" e o "inimigo" têm liberdade para ocupar os espaços dos demais. Cada voz narrativa se diferencia graficamente por ter uma fonte tipográfica distinta. O livro inclui breves citações, também diferenciadas tipograficamente. A história que se conta pode ser separada em três atos, de mais ou menos dez páginas cada um. Os seis personagens, funcionários de um escritório e que se conhecem muito bem, entram em um elevador que trava, deixando-os na escuridão. A cada página o autor registra breves e episódicos pensamentos deles, em geral apenas de um ou dois a cada vez. A consciência do quinteto (marido, assistente, esposa, amante e inimigo) flui recortada, enquanto o narrador conduz o leitor ao entendimento do drama, da história e tensões acumuladas entre eles. Na cabine escura do elevador o tempo congela, passado, desejos, medos e pulsões dos personagens se fundem. Há um clima de sonho, onde se misturam sexo e crime. Eventualmente o grupo será resgatado, mas será que o leitor não ficou demasiado tempo focado no poço, no abismo, no jogo do livro, não terá perdido alguma coisa? Volte a ler ou conte melhor a história, conte outra história, parece sugerir o autor. Interessante mesmo. Mas agora é hora de voltar às imagens poderosas dos cinco livro reunidos no "Refusões". Vale.
Registro #1214 (conto #142)[início: 04/09/2017 - fim: 06/09/2017]
"Livro aberto", Marcelo Tápia, São Paulo: Editora Olavobrás, 1a. edição (1991), brochura 18x23 cm., 82 págs., sem ISBN
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