Eu estava sem nada a mão e entrei decidido na CESMA para comprar algo para ler na hora do almoço de um daqueles dias compridos das férias santamarienses. Vi este livro na estante, comprei e sai lendo na rua. O livro é epistolar, uma seqüência de cartas, notas e telegramas trocadas por um grupo inusual de personagens do Israel contemporâneo (algo em torno da década de 1970, após a guerra dos seis dias). Um escritor e professor respeitado, já há muito separado da mulher se corresponde com ela através de um advogado para resolver uma pendência com seu único filho. O atual marido, o filho, uma cunhada distante, o pai demente no hospital, outros advogados, outros personagens menores, todos escrevem e se expressam sem parar, como se a palavra fosse mesmo a única forma de salvação de cada um. A culpa tem um grande papel neste livro. A culpa de ter feito algo, de não tê-lo feito, de não ter tido a chance de corrigir algum erro. Mas a cada carta, a cada página lida, me assombrava uma questão: claro que já li este livro, já sei desta história, mas como é possível tê-la esquecido tão completamente. Na verdade a trama eu havia esquecido, mas passagens específicas pipocavam aqui e ali. Mas eu me lembrei de súbito porque não gostei da primeira vez: é um livro piegas, piegas de uma forma atroz, como se o autor não soubesse mais como terminar a história e a arrastasse carta após carta. Tudo bem, a vida também é assim, estendemos as escolhas e as situações até o ponto limite, mas na vida ao menos somos mais coerentes nas mentiras que contamos até o final (o autor leva suas metáforas até o final mas os personagens do livro mudam muito de opinião para o meu gosto). Há paralelos curiosos entre este "a caixa preta" com os livros que li recentemente de Roth e Begley: sexo, câncer, dignidade frente à morte, humanismo, o imponderável, o estoicismo. Procurei nos meus guardados, achei meu velho exemplar original deste livro, marcado pelo tempo. Nas guardas escrevi miúdo: "7.8.95-10.8.95, início interessante + o final moral (ou amoral) me enerva". Talvez eu não tenha mudado tanto nestes últimos treze anos afinal de contas.
"A caixa preta", Amós Oz, tradução de Nancy Rozenchan, editora Companhia das Letras, 2a. edição (2005) brochura 14x21cm, 244 pág., ISBN: 85-7164-356-3
Nenhum comentário:
Postar um comentário